“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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segunda-feira, 31 de março de 2008

Tipikon

(Do grego Τυπικόν, de τύπος, decreto, ritual). É o livro que contém todas as regras (rubricas) para realização dos ofícios litúrgicos, dando orientações para todas as possíveis combinações de circunstâncias dos ofícios litúrgicos da Igreja e suas celebrações ao longo do ano. No ocidente seu equivalente é o ‘Ordo Missae’.


Faz-se necessário considerar uma breve história do Tipikon. O Tipikon é especialmente associado com o nome de São Sawa (439-532), abade de um mosteiro próximo a Jerusalém que hoje leva o seu nome. As edições gregas antigas, por exemplo, são entituladas de: “Tipikon dos Ofícios da Igreja da Santa Lavra em Jerusalém do nosso Pai Teóforo São Sawa” 1. De acordo com a versão tradicional, o Tipikon foi elaborado por São Sawa em pessoa e, posteriormente, revisado por São Sofrônio, Patriarca de Jerusalém (cerca de 560-638), que o suplementou com material da ordo seguido pelo mosteiro de Santa Catarina no Sinai. Uma revisão posterior foi realizada por São João Damasceno (cerca de 675-749), ele mesmo um monge na Lavra de São Sawa.


Liturgistas modernos, embora não aceitem esta versão como historicamente exata, entretanto reconhecem que ela contém um importante elemento de verdade. Na evolução da ordo eclesiática, um papel decisivo foi desempenhado pelo rito da Igreja de Jerusalém, e em particular pelo célebre mosteiro de São Sawa. Por outro lado o Tipikon, na sua presente forma, é posterior ao tempo de São João Damasceno; e outros centros além da Lavra de São Sawa exerceram uma influência formativa no seu desenvolvimento, notadamente o mosteiro de Studios em Constantinopla.


O Tipikon, como nós hoje o temos, representa essencialmente uma cristalização na prática litúrgica que ocorreu entre os séculos IX e XII. Ele incorpora uma síntese entre duas tradições, originalmente distintas: a primeira, o rito de ‘Catedral’, como observado na Grande Igreja de Agia Sofia na capital imperial, e em outros lugares; e a segunda o rito estritamente ‘monástico’. Do século IX em diante estes ritos foram normalmente combinados em um só. A Igreja Ortodoxa do posterior período bizantino, diferente da Igreja Católica Romana no Ocidente, usualmente não fazia nenhuma distinção entre a prática monástica e a secular ou paroquial: mosteiros e paróquias desde esta época têm, ambos, seguido o mesmo Tipikon, apesar de na maioria das paróquias ocorrerem, inevitavelmente, numerosas omissões e abreviações 2.


Até os últimos vinte e cinco anos do século nono o Tipikon observado pelas Igrejas Gregas, Eslavas e a Romana foi essencialmente o mesmo, à exceção de pequenos detalhes. Em 1888, entretanto, aprece em Constantinopla uma nova edição do Tipikon, preparada pelo protopsaltis George Violakis (falecido em 1911), e editada com aprovação e bênção do Patriarcado Ecumênico. Violakis fez mudanças extensivas e freqüentemente imprudentes, especialmente, na ordem do ofício de Matinas do Domingo: por exemplo, as katavasiae são indicadas para serem cantadas em conjunto no final da oitava ode do Cânon, ao invés de ocorrerem no final de cada ode; a leitura do Evangelho está deslocada de sua posição original de antes do Cânon e deselegantemente inserida entre a oitava e a nona ode. Assim, a nona ode está separada daquelas que a precedem e a estrutura total do Cânon está inadequadamente obscurecida 3.


O novo Tipikon de Constantinopla foi amplamente adotado pelas Igrejas Ortodoxas de língua grega; a Igreja Russa, por outro lado, adota fielmente o antigo ‘Tipikon de São Sawa’. As demais Igrejas Ortodoxas variam na sua prática, aproximando-se mais ou menos do uso moderno de Constantinopla, e outras permanecem totalmente não influenciadas por ele. O antigo Tipikon é ainda seguido estritamente na maioria dos mosteiros gregos, particularmente o de São Sawa em Jerusalém, os do Monte Atos e o de São João em Patmos. Assim, na Ortodoxia Grega hoje há, uma vez mais como no período antigo, uma diferença entre a prática monástica e a paroquial, mas no período primitivo a divergência era ainda mais radical.


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1. Assim, a edição publicada em Veneza em 1615 tem o título: “Τυπικόν τής έκκλησατιής άκολυθίας τής έν ‘Ιερσλύμοις γιας Λαύρας του όσίου καί θεοφρου πατρός ήμων Σάββα”.


2. Sobre a Historia do Tipikon, a principal obra é ainda o monumental estudo de A. Dimitrievsky, Opisanie liturgicheskikh rukopisey khranyashchikhsya v bibliotekakh pravoslavnago vostoka (3 volumes, Kiev, 1895-1917), especialmente o volume 1; em inglês consultar ª Schememann, Introduction to Liturgical Theology (London, 1966). Um importante Tipikon em manuscrito, apresentando um uso muito diferente do que é seguido hoje pode ser encontrado nas bibliotecas monásticas de São João, em Patmos (cod. 266: século X) e da Santa Cruz , em Jerusalém (cod. 40: século X, agora mantido na Biblioteca Patriarcal). Sobre o primeiro ver a obra supracitada de A. Dimitrievsky, volume 1. Sobre o segundo consultar a obra de J. Mateos, S.J., Le Typicon de La Grande Église. Ms. Sainte-Croix no. 40, X siècle, 2 vols. (Orientalia Christiana Analecta, 165-166, Rome, 1962-3).


3. Ao fazer esta e outras mudanças, talvez Violakis não estivesse inovando, mas simplesmente dando aprovação formal às práticas que já haviam sido estabelecidas em paróquias. Provavelmente o Evangelho foi deslocado para o fim do ofício porque muito poucos fiéis chegavam a tempo para as partes iniciais de Matinas!