“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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quarta-feira, 7 de novembro de 2007

“Nossa cruz e a Cruz de Cristo”

“Então disse o Senhor aos Seus Discípulos: Se alguém quiser vir após Mim, renuncie-se a si-mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-Me” (Mt. 16, 24)

O que quer dizer a sua Cruz? E por quê esta cruz própria, a cruz pessoal para cada um, é também chamada “Cruz de Cristo”?

A sua Cruz... são as aflições e os sofrimentos de nossa vida terrestre, que para cada um, são pessoais.

A sua Cruz... são os jejuns, as vigílias e os outros esforços ascéticos pelos quais a carne é humilhada e se submete ao espírito. Estes esforços devem corresponder às forças de cada pessoa, a que para cada um, lhe são próprias.

A sua Cruz... são as enfermidades devidas ao pecado ou às paixões, e que para cada um de nós, são pessoais! Nós vimos ao mundo com algumas delas, outras nos sobrevêm ao curso de nossa vida terrestre.

A Cruz de Cristo é o ensinamento de Cristo.

Vã e estéril permanece a sua própria cruz, se sendo ela pesada ao seguir a Cristo, não se transforme em Cruz de Cristo.

Para o discípulo de Cristo, a sua cruz torna-se a Cruz de Cristo porque o verdadeiro discípulo de Cristo está firmemente convencido de que Cristo vela, sem cessar, por ele. Que as aflições permitidas por Cristo são as condições indispensáveis e inevitáveis do Cristianismo; que sofrimento algum não poderia existir sem a permissão de Cristo; que é por meio destes sofrimentos que o cristão é assimilado a Cristo, tornando-se, por sua vez, participante, sobre a terra e, em seguida no céu.

Para o discípulo de Cristo, a sua cruz torna-se a Cruz de Cristo porque o verdadeiro discípulo de Cristo considera o cumprimento dos Mandamentos de Cristo como o único objetivo de sua vida. Estes santíssimos Mandamentos tornam-se para ele uma cruz sobre a qual ele crucifica constantemente o seu velho homem, “com suas paixões e concupiscências” (Gal. 5, 24).

Torna-se então claro que antes de tomar a sua cruz, necessário é negar-se a si-mesmo, até o ponto de “perder a sua alma” (Mt. 16, 25).

O pecado se assimilou de maneira tão intensa à nossa natureza caída que a Palavra de Deus não hesita em chamar o pecado de alma do homem caído.

Para carregar a sua cruz, necessário é, primeiramente, recusar ao corpo as concupiscências carnais do pecado, fornecendo-lhe só o que é realmente necessário para sua subsistência; é-nos necessário reconhecer que a nossa própria justiça torna-se extrema injustiça diante de Deus, nossa inteligência, loucura total. Entregando-se, enfim, ao estudo contínuo do Evangelho, falta-nos ainda renunciar à vontade própria.

Aquele que realiza uma tal renúncia a si-mesmo torna-se capaz de tomar a sua cruz.

Submetido a Deus, invocando o Seu auxílio, para remediar a fraqueza, sem medos e problemas, ele vê se aproximar a tribulação e se apronta em sofrê-la corajosa e valentemente, esperando tornar-se, graças a ela, participante de Cristo, não somente em seu espiríto e coração, mas antes também pelos seus atos e sua própria vida.

Nossa cruz continuará pesada enquanto ela permanecer apenas a nossa própria cruz. Desde, que se transforma em Cruz de Cristo, adquire uma leveza extraordinária: “O Meu jugo é suave e o Meu fardo é leve” (Mt. 11, 30) – diz o Senhor.

O discípulo do Senhor recebe a Sua Cruz quando se reconhece digno de todas as aflições que a Providência de Deus lhe envia.

O discípulo de Cristo porta a Sua Cruz, de uma maneira justa, quando ele confessa que tais aflições, e não outras, lhes são indispensáveis para tornar-se semelhante a Cristo, e isto implica a sua salvação!

Portá-la com paciência é ter a visão verdadeira e a consciência; ele não tem cegueira alguma. Em contrapartida, aquele que, apesar de confessar plenamente o seu estado de pecador, murmura e se revolta do alto de sua cruz, mostra então que a consciência de seu pecado é superficial. Ele só se afasta e perde a direção. Portar a sua cruz com paciência, é ter um verdadeiro arrependimento.

Ó tu que estás crucificado sobre a cruz, confessa o Senhor na justiça de Seus desígnios, condenando-se a si-mesmo, justifica o Julgamento de Deus, e receberás a remissão dos teus pecados.

Ó tu que estás crucificado sobre a cruz, reconhece a Cristo, e as portas do Paraíso te serão abertas.

Do alto da tua cruz, torna-te então teólogo. Porque a cruz é a verdadeira e única escola, o tesouro e o trono da verdadeira teologia. Fora da cruz, não existe verdadeiro conhecimento de Cristo.

Não busque a perfeição cristã nas virtudes humanas. Aí não está: mas antes oculta na Cruz de Cristo.

A cruz transforma-se em Cruz de Cristo quando o discípulo de Cristo a porta com uma consciência viva de seu estado de pecador, que merece a correção, quando ele a conduz dando graças ao Cristo, glorificando-O. Desta glorificação e desta ação de graças nasce, naquele que sofre, uma consolação espiritual. Esta ação de graças e o louvor tornam-se uma fonte abundante de alegria inefável e incorruptível que, pela ação da graça do Espírito Santo, arde no coração, se expande na alma e no próprio corpo.

A Cruz de Cristo só é uma via cruel em aparência, para os olhos carnais. Para o discípulo de Cristo, para aquele que O segue, ela é a via de delícias espirituais extraordinárias. Estas delícias são tão fortes que o sofrimento é totalmente aliviado e o discípulo de Cristo passa a sentir, nos tormentos cruéis, somente delícias.

A jovem Maura dizia ao seu jovem esposo Timóteo, que sofria terríveis suplícios e convidava sua esposa a tomar parte em seu martírio: “Eu temo, ó Irmão, de me espantar ao ver as terríveis torturas e o furioso Déspota, cedendo, desta maneira, em virtude de minha jovem idade”. O Mártir lhe responde: “Espera em nosso Senhor Jesus Cristo, e os teus sofrimentos serão como que uma unção derramada sobre todo o teu corpo e como um ar de rosas em teus ossos, atenuando todas as tuas dores”.

A Cruz é o poder e a glória dos Santos em todo tempo.

A Cruz só conduz à morte aqueles que não a transformaram em Cruz de Cristo, que murmuram em suas cruzes contra a divina Providência, blafesmam-na, abandonando-se à desolação e ao desespero. Os pecadores que recusam reconhecer seus pecados e a arrependerem-se, morrem de uma morte eterna, privando-se da verdadeira vida, a vida em Deus, por falta de paciência.

Eles deixam suas cruzes para viverem em suas almas o túmulo eterno: na guela dos infernos.

A Cruz de Cristo eleva da terra ao céu o discípulo do Cristo crucificado nela. Crucificado sobre a sua cruz, o discípulo de Cristo dirige os seus pensamentos às coisas do alto, habita no céu em seu intelecto e coração, contemplando aí, os mistérios do espírito em Cristo Jesus, nosso Senhor.

“Se alguém quiser Me seguir, diz o Senhor, que ele nege-se a si-mesmo, tome a sua cruz e siga-Me”. Amém.

Santo Ignácio Briantchaninov, Bispo de Stravopol no Cáucaso (1807 – 1867)
Bolertim Interparoquial”, Fevereiro de 2007