“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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sexta-feira, 10 de julho de 2009

"Os atributos de Deus: como eles são explicados nas Sagradas Escrituras e nos relatos dos Santos Padres"

As Escrituras Sagradas dão-nos uma elevada e unificada representação de Deus. Elas ensinam que Deus é único. Ele é o mais elevado, global e individual Ser; Deus é Espírito — eterno, bondoso, onisciente, justo, onipotente, onipresente, imutável, pleno e bem-aventurado. O Deus todo-poderoso não tendo necessidade de coisa alguma, criou do nada, através de Sua bondade, todo o mundo visível e invisível, inclusive os seres humanos. Antes da criação do mundo não existia nada, nem o espaço, nem o tempo. Um e outro surgiram juntos com o mundo. Deus, igual a um Pai amoroso, preocupa-se com o mundo como um todo e com cada ser por Ele criado — até mesmo com o menor de todos os seres. Ele dirige cada pessoa para a salvação eterna através de Seus caminhos misteriosos, porém, sem forçá-la, mas esclarecendo-a e ajudando-a a realizar suas boas intenções.

Nós vamos examinar agora, mais detalhadamente, vários atributos divinos mostrados nas Escrituras Sagradas e através dos Santos Padres da Igreja. Deus revela-se ao homem como um Ser completamente distinto do mundo físico, mais especificamente — como um Espírito. As Escrituras dizem: "Deus é Espírito e em espírito e verdade é que O devem adorar os que O adoram" (Jo 4:24). "Ora o Senhor é o Espírito e, onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade" (2Cor 3:17). Em outras palavras, Deus é destituído de qualquer tipo de materialidade, corpo ou forma, pois essas características são inerentes aos seres humanos e até mesmo aos anjos que revelam em si somente a "imagem" da espiritualidade de Deus. Deus é o mais elevado, mais puro e mais perfeito Espírito. Deus revelou-Se ao profeta Moisés como: "Eu sou Aquele Que sou" (Êx 3:14), como a mais pura, espiritual e elevada Existência. Na verdade, encontramos às vezes nas Escrituras Sagradas algumas passagens, as quais descrevem Deus simbolicamente como tendo membros semelhantes aos dos seres humanos: ouvidos, olhos, braços e outros, denominando isso de antropomorfismo (semelhante aos humanos). Essas expressões são usadas para maior clareza, a fim de nos ajudar a visualizar uma aparência. Elas são encontradas, na maioria das vezes, nas partes poéticas das Escrituras Sagradas. Com essas expressões, as Escrituras têm em mente as propriedades espirituais correspondentes de Deus, como por exemplo: ouvidos e olhos simbolizam Sua orientação e direção para tudo (onisciente); mãos e braços simbolizam Seu poder de realizar tudo (onipotência) e o coração representa Seu amor.

Para a consciência contemporânea não é nenhuma questão tradicional, imaginar Deus como um Espírito puro, contudo o difundido panteísmo em nosso tempo contradiz essa verdade ("Deus é tudo e tudo é Deus" — uma forma de Divindade que está espalhada por toda a natureza sem uma característica definida e inconsciente, como por exemplo, o Budismo e algumas religiões orientais baseadas nessa idéia). Por essa razão, até hoje em dia ouvimos durante o "Ritual da Ortodoxia" celebrado no primeiro domingo da grande quaresma (Páscoa): "Para aqueles que dizem, que Deus não é Espírito, mas corpo — anátema".

Deus é eterno. A existência de Deus é atemporal, uma vez que o tempo é simplesmente uma forma de existência finita e mutável. (O tempo é considerado como a "quarta" dimensão na relatividade física. De acordo com a cosmologia moderna, espaço e tempo não são entes infinitos. Eles surgiram com o mundo e desaparecerão juntos com ele. Eles apareceram pela vontade de Deus e podem desaparecer ou tornar-se algo completamente diferente do que eles são agora). Para Deus não existe passado, nem futuro, mas somente o presente. "No princípio, Senhor, fundaste a terra, e os céus são obra das Tuas mãos. Eles perecerão, mas Tu permanecerás; todos eles envelhecerão como veste. E como roupa os mudarás, e serão mudados; Tu, porém, és sempre o mesmo, e os Teus anos não terão fim" (Sl 101:26-28). Muitos Santos Padres ressaltam a diferença entre o conceito de "eternidade" e "imortalidade". Eternidade é a força vital, não tendo começo, nem fim. "O conceito de eternidade pode somente ser aplicado para uma única essência Divina sem começo, na Qual tudo é sempre o mesmo e está sempre no mesmo estado. O conceito de imortalidade é atribuído àquele a quem foi dada a existência e que não morre, como por exemplo, aos anjos e a alma humana. Eternidade no sentido verdadeiro aplica-se somente para a essência Divina" (São Isidoro Pelusiote). Nesse sentido mais expressivo é "Deus pré-eterno".

Deus é bondoso, isto é, Ele é infinitamente generoso. As Escrituras testemunham: "O Senhor é compassivo e misericordioso, paciente e de muita misericórdia" (Sl 102:8). "Deus é caridade" (1Jo 4:16). A bondade de Deus não se estende para uma região limitada da terra, nem Seu amor característico é dirigido para determinados seres, mas ela se estende para o mundo todo e para todos os seres que nele se encontram. Ele se preocupa carinhosamente com a vida e com a necessidade de cada criatura, não importa quão pequena ou insignificante elas possam parecer para nós. São Gregório o Teólogo diz: "Se fosse perguntado a nós: A quem vocês honram e a quem vocês reverenciam? A resposta está pronta: Nós reverenciamos o amor". Deus concede as Suas criaturas tantas bênçãos, quantas cada uma possa aceitar, de acordo com sua natureza e condição e na medida em que isso corresponde à harmonia geral do mundo. Deus dá Sua graça especial aos seres humanos. "Deus é como uma ave-mãe, que vendo seu filhote caído do ninho, voa até ele para ampará-lo e levantá-lo, e quando ela o vê em perigo de ser engolido por alguma cobra, ela o sobrevoa com lamentosos pios assim como a todos seus outros filhotes, não sendo ela capaz de ser indiferente à perda de nenhum deles" (Clemente de Alexandria). "Deus ama-nos mais que um pai, mãe ou amigo, ou mais que qualquer outra pessoa que nos possa amar e até mesmo mais que nós próprios podemos nos amar, porque Ele se preocupa mais com nossa salvação do que com Sua própria glória; e como prova desse amor Ele enviou ao mundo (em forma humana) Seu Filho Unigênito para sofrimento e morte e somente para nos abrir o caminho da salvação e da vida eterna" (João Crisóstomo). Se a pessoa não compreende toda a força da graça de Deus e isso ocorre várias vezes, significa que ela focaliza demasiadamente seus pensamentos e desejos no bem-estar terreno, porém a Providência Divina procura mostrar-nos, que não devemos valorizar tanto os bens terrenos e temporários e nos chama a conquistar para nossas almas o bem eterno.

Deus é onisciente. "Não há nenhuma criatura invisível na Sua presença mas todas as coisas estão a nu e a descoberto, aos olhos Daquele de Quem falamos" (Hebr 4:13). O rei David escreveu: "Os Teus olhos viram-me, quando era ainda informe" (Sl 138:16). A onisciência de Deus é simultaneamente visão e conhecimento direto de tudo, atual e possível, o presente, o passado e o futuro. A própria previsão do futuro é na verdade uma visão espiritual, porque para Deus o futuro é o presente. A previdência de Deus não impede o livre arbítrio de Suas criaturas, assim como a liberdade de nosso próximo não é violada pelo fato de nós vermos suas ações. A previdência de Deus com relação ao mal no mundo e nas ações dos seres livres é no entanto coroada pela previsão da salvação do mundo, quando "E, quando tudo Lhe estiver sujeito, então ainda o mesmo Filho estará sujeito Àquele que sujeitou a Ele todas as coisas, a fim de que Deus seja tudo em todas as coisas" (1Cor 15:28).

A Sabedoria de Deus é o outro lado de Sua onisciência. "Grande é o nosso Senhor, e grande o Seu poder, e a Sua Sabedoria não tem limites" (Sl 146:5). Os Santos Padres da Igreja seguindo a palavra de Deus, apontavam sempre para a grandeza da Sabedoria Divina com profunda veneração, quando se referiam à ordenação do mundo visível, dedicando a esse assunto obras completas, como por exemplo: Discussões sobre os 6 dias, isto é, sobre o processo da criação do mundo (São Basílio "O grande", São João Crisóstomo, São Gregório de Nissa). "Uma erva ou uma folha de relva é o suficiente, para você ocupar todo seu pensamento com a investigação, de que maneira ela foi criada" (São Basílio "O grande").

Deus é justo. Justiça é compreendida na palavra de Deus e na sua linguagem habitual de duas maneiras: a) como sagrada e b) como justiça na defesa do bem. Justiça como sagrada consiste não somente na ausência do mal ou do pecado, mas é a presença do mais elevado valor espiritual, ligado com a pureza e com a ausência do pecado. Justiça como sagrada é comparada à luz, e Justiça Divina é como a mais pura luz. Deus é "O Único Sagrado" por essência, por Sua natureza. Ele é a Fonte do sagrado para os anjos e para os seres humanos. A justiça de Deus é um outro aspecto de Sua benevolência. "E Ele mesmo julgará toda a terra com eqüidade; julgará os povos com justiça" (Salmo 9:9). "Que há de dar a cada um segundo as suas obras" (Rom 2:6). "Porque diante de Deus, não há acepção de pessoas" (Rom 2:11).

Como pode o amor Divino ser coordenado com a verdade Divina durante o julgamento rigoroso dos pecados e o castigo do pecador? Muitos Santos Padres da Igreja falaram abertamente sobre essa questão. Eles comparam a ira de Deus com a ira de um pai, que para fazer o filho desobediente voltar ao seu bom-senso, usa de medidas paternas punitivas, as quais ao mesmo tempo o entristece e o faz sofrer devido a irracionalidade do filho, sentindo compaixão por ele e pela angústia que lhe causou. Por essa razão a verdade de Deus é sempre a misericórdia e a misericórdia é a verdade, de acordo com a colocação: "A misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se oscularam" (Sl 84:11).

O sagrado e a verdade de Deus estão intimamente ligados entre si. Deus chama a todos ao Seu Reino para a vida eterna, porém, no Reino de Deus não pode entrar nada impuro e por essa razão o Senhor purifica-nos com castigos como atos de repreensão pelo amor que Ele tem por nós, pois um tribunal de justiça aguarda-nos, um tribunal que é temível para nós. Como poderíamos entrar em um reino sagrado e de luz e como nos sentiríamos nesse reino, sendo impuros e obscuros e não tendo dentro de nós o sagrado e nenhum valor espiritual ou moral favorável?

Deus é onipotente. "Porque Ele disse, e foi feito; mandou, e foi criado" (Sl 32:9), assim o autor do salmo expressa-se sobre a onipotência de Deus. Deus é o Criador e o Provedor do mundo. Ele é o Todo-Poderoso. "Bendito seja o Senhor Deus de Israel; é só Ele que faz maravilhas" (Sl 71:18). Se Deus suporta o mal e os maus no mundo, não é porque Ele não pode destruí-los, mas é porque Ele concedeu aos seres espirituais o livre arbítrio e os orienta, a fim de que eles pela vontade própria rejeitem o mal e sejam mobilizados para o bem. (Considerando as questões ocasionais com relação ao que Deus "não pode" fazer, é necessário explicar, que a onipotência de Deus estende-se a tudo que é do anseio de Seus pensamentos, de Sua bondade e de Sua vontade).

Deus é onipresente. "Para onde irei a fim de me subtrair aoTeu espírito? E para onde fugirei da Tua presença? Se subo ao céu, Tu lá estás; se desço ao inferno, nele Te encontras. Se tomar asas ao romper da aurora, e for habitar no extremo do mar ainda lá me guiará a Tua mão, e me tomará a Tua direita" (Sl 138:7-10). Deus não tende a qualquer limitação de espaço, mas Ele penetra em tudo por Si só. Além disso, Deus como um Ser simples (indivisível) está presente em todo lugar não somente com uma parte de Si e não apenas com Sua força, mas Ele está presente com todo Seu Ser, enquanto que ao mesmo tempo não se une com aquilo, no qual Ele está presente. "Deus penetra em tudo, não Se une com nada e nada penetra Nele" (João Damasceno).

Deus é imutável. "Toda a dádiva excelente e todo o dom perfeito vem do alto e descende do Pai das luzes, no Qual não há mudança, nem sombra de vicissitude" (Tg 1:17). Deus é perfeição, e como cada mudança é um sinal de imperfeição, ela não pode ser admitida no Ser perfeito. O que não se pode dizer sobre Deus, é que Nele ocorra qualquer tipo de processo de crescimento, mudança de aparência, evolução, progresso ou qualquer coisa desse tipo. A imutabilidade de Deus não é uma imobilidade ou isolamento Consigo Próprio. Sua imutabilidade, Seu Ser é vida, cheio de força e ação. Deus Próprio em Si é vida e a vida é Sua existência.

Deus é pleno e bem-aventurado. Essas duas palavras têm significado semelhante. Pleno é uma palavra eslava e não pode ser compreendida como "satisfeito consigo mesmo". Ela significa o domínio de tudo, o tesouro absoluto, a plenitude de todas as graças. "Deus, que fez o mundo e tudo o que nele há, sendo Ele o Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos pelos homens, nem é servido pelas mãos dos homens, como se necessitasse de alguma coisa, Ele que dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas" (At 17:24-25). Desse modo, o Próprio Deus apresenta-se como a fonte de toda a vida, de todo o bem. Todas as criaturas recebem Dele graças.

O apóstolo Paulo chama Deus de "bem-aventurado" por duas vezes em sua carta "A qual é segundo o Evangelho da glória de Deus bem-aventurado, o qual me foi confiado" (1Tim 1:11). "A qual mostrará, a seu tempo, o bem-aventurado e o único poderoso, o Rei dos reis e Senhor dos senhores" (1Tim 6:15). A palavra "bem-aventurado" não deve ser entendida como Deus tendo tudo em Si-mesmo é indiferente aos sofrimentos no mundo por Ele criado, mas deve ser comprendida como todos os seres recebem Dele e Nele suas bem-aventuranças. Deus não sofre, mas é misericordioso. "Cristo sofre como um mortal" (cânone de Páscoa) não pela Sua Divindade, mas pela Sua humanidade. Deus é a Fonte da bem-aventurança, Nele está a plenitude da alegria, a satisfação e o prazer para todos aqueles que O amam, como é dito no Salmo 15:11 " Mostraste-me as sendas da vida, a plenitude da alegria comTua presença, as eternas delícias a Tua destra".

Uma coisa deve ser observada, que as Escrituras Sagradas e os Santos Padres da Igreja falam primeiramente dos atributos de Deus e não da essência atual de Deus. Os Santos Padres falam raramente e apenas indiretamente sobre a natureza de Deus, explicando que a essência de Deus é "Una, Simples e Descomplicada". Mas essa simplicidade e essa falta de complexidade não é um todo indiferente ou vazio, mas ela contem em si a plenitude de Seus atributos. "Deus é um mar de essência, imensurável e ilimitado" (São Gregório o Teólogo). "Deus é a plenitude de todas as qualidades e perfeições em sua forma mais elevada e infinita" (São Basílio "O grande"). "Deus é simples e descomplicado. Ele é todo sentimento, todo espírito, todo pensamento, toda mente e toda fonte de todas as graças" (Irineu de Lion).

Os Santos Padres ressaltam que as multiplicidades dos atributos de Deus em vista da simplicidade do Ser é o resultado de nossa incapacidade de encontrar uma maneira simples para observar o que é Divino. Em Deus, um atributo é a faceta do outro. Deus é justo, isto significa que Ele é onisciente, onipotente, bom e bem-aventurado. A infinita simplicidade de Deus é semelhante à luz do sol, que se revela nas várias cores do arco-íris.

Os Santos Padres e as orações litúrgicas usam predominantemente na identificação dos atributos de Deus expressões gramaticalmente organizadas na forma negativa, usando as partículas "não" ou o prefixo "des". No entanto, temos que lembrar uma coisa, que essa forma negativa indica a "negação de limitações", como por exemplo, "não desconhecendo" ― significa "conhecendo". Dessa maneira, isso contém a afirmação da ilimitabilidade de Sua perfeição.

Além disso, nossos pensamentos falam sobre Deus 1) ou de Seu contraste para com o mundo, como por exemplo, Deus é Sem Começo, enquanto que o mundo teve um começo; Deus é eterno, enquanto que o mundo é temporário; 2) ou das ações de Deus no mundo e Seu relacionamento para com Suas criaturas (Criador, Provedor, Misericordioso, Juiz Justo).

Mesmo que nós ressaltemos os atributos de Deus, não conseguimos dar uma definição precisa para compreendê-Lo. Semelhante definição é em essência impossível, porque em qualquer definição há uma indicação de limites e portanto uma indicação de incompletude. Para Deus não há limites, portanto, não pode haver uma definição da compreensão de Deus. "Pois até mesmo a compreensão é uma forma de limitação" (São Gregório o Teólogo).

Bispo Alexander (Mileant)