“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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segunda-feira, 6 de julho de 2009

"O Centurião"

Domingo último ouvimos São Paulo dizer-nos que somos “justificados pela fé”. O evangelho do 4º domingo após o Pentecostes (Mt.8,5-13) mostra-nos que fé é esta que justifica. Um centurião romano, em Cafarnaum, obtém de Jesus a cura de seu servo doente. Esta cura é uma reposta ao ato de fé do centurião: “Vai, e como creste te seja feito...” O centurião não é um filho de Israel. Por outro lado, Jesus não lhe pede nenhuma profissão de uma fé intelectual; não o submete a nenhum teste doutrinal. E, contudo, é no centurião e não nos judeus os mais “ortodoxos” que Jesus encontra a fé que Ele deseja: “Em verdade vos digo que nem mesmo em Israel encontrei tanta fé...”. Em que consiste a fé vivida, a fé salvífica do centurião? Ela não se identifica nem à adesão a um dogma, nem à realização de um rito ou de um preceito legal. Ele é, antes de tudo, fundamentada sobre uma profunda humildade: “Senhor... não sou digno que entres sob meu teto...” pois ela é toda voltada para a palavra do Senhor: “...mas diz uma só palavra...”. A palavra do Senhor, aqui, não é somente recebida com respeito e fé, mas também é desejada, buscada, como um princípio de fé e de salvação. Aquela palavra pela qual o centurião espera com todo o seu ser, ele não a coloca numa esfera “religiosa”, estranha à vida cotidiana. “Diz somente uma palavra e meu servo será curado”. O centurião crê que a palavra de Jesus vai entrar em sua vida, irromper entre as realidades domésticas e operar um resultado definido. Enfim, a fé do centurião é uma disposição de obediência. “Eu sou homem sob autoridade”, diz o centurião: comando soldados e servos; o que lhes ordeno fazerem, eles fazem. Ele próprio está sob as ordens de oficiais superiores e executa as ordens deles. Portanto, acha natural que Jesus ordene e que suas ordens sejam imediatamente realizadas. Ele espera a ordem de Jesus. Esta é a fé do centurião, a fé que Jesus elogia. E esta é a fé que Jesus pede de nós: um dom confiante de todo o nosso ser na palavra que salva e que faz viver. Esta fé não exclui nem uma crença precisa nas verdades reveladas, nem uma prática exata da lei divina. Mas uma fé que fosse somente uma crença ou uma prática, sem o elã interior que leva o centurião até Jesus, seria uma fé morta. A fé viva do centurião - “um subalterno”- implica uma submissão da vontade à palavra de Jesus; no momento em que o centurião dirige seu pedido a Nosso Senhor, coloca-se sob Sua autoridade, “entre as suas mãos”. Devo, eu também, tornar-me um “subalterno”, um homem que, tendo colocado toda a sua vida sob a direção do Senhor, encontra a cada instante, nesta obediência e nesta confiança, a segurança e a certeza que aqueles que são regra para si mesmos ignoram.

A espístola deste domingo (Rm.6,18-23) é, também, um comentário sobre a verdadeira natureza da justificação pela fé (sem que, aliás, a Igreja tenha buscado estabelecer uma concordância entre a epístola e o evangelho deste dia). São Paulo continua a expor aos Romanos o que é a nossa justiça em Cristo. “...Pois se outrora oferecestes vossos membros à impureza, oferecei-vos hoje igualmente à justiça para santificar-vos... libertos do pecado... fortificai para a santidade”. Somos justificados pela fé, mas a fé não é nada se não transformar a nossa vida, se ela não der frutos, se não conduzir à santidade. A justificação não deve estar separada da santificação. “Santidade”: São Paulo não exita em colocar esta grande palavra, esta grande coisa, diante do conjunto da comunidade de Roma; ele considera a santidade como natural do cristão, como acessível a todos os fiéis. Para ele, a santidade não consiste em explorações ascéticas extraordinárias: o “santificai para a santidade” é simplesmente o serviço atento a Deus, a conformidade de nossa vontade à Sua.

Extraído de L’An de Grâce du Seigneur, Ed. du Cerf - 1988
Boleim Intrerparoquial, julho 2002