“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

ok

sábado, 4 de abril de 2009

“Os Hinos a Mãe de Deus”

Assim como todos os hinos da Igreja Ortodoxa, os hinos à Mãe de Deus ancoram seus termos de inspiração na Escritura Santa, nas Tradições apócrifas e na reflexão teológica.

Os hinos em honra da Mãe de Deus se inspiram essencialmente no Evangelho de Lucas e no dogma definido pelo Concílio Ecumênico de Éfeso. Os apócrifos e a legenda tiveram aí sua parte, uma legenda mais verdadeira que a história porque ela cristaliza em símbolos eternos a história sagrada da intervenção de Deus no mundo para a salvação dos homens.

Do Evangelho de Lucas, nossos hinos empregam inicialmente a saudação angélica que o Oriente nos conservou em sua verdadeira formulação original “Rejubila” - da mesma forma que os ícones nos apresentam um Arcanjo dinâmico, radiante e jubiloso mensageiro da boa-nova, nossas anunciações ocidentais (católico-romana) o desfiguram geralmente, ele é representado como um Anjo tímido, portador de uma mensagem que começa mais prosaicamente pela palavra “Salve”, ou “Ave”. A expressão “Rejubila” nos põe diretamente em relação com a causa de nosso júbilo, de nossa alegria, seja ela a encarnação anunciada pelo Arcanjo ou a Ressurreição proclamada pelo Anjo no túmulo. Ela aparece freqüentemente nos hinos e se repete incansavelmente nas estrofes do Acatiste.

Da mesma forma que a expressão “O Senhor está contigo” e todas as variações poéticas que sugere a presença do Deus feito homem no seio daquela que o Concílio proclamou Mãe de Deus. A Virgem é o Templo Santo do Senhor, a Arca Viva, o Habitáculo dos Céus, o Cálice da Salvação, a Morada do Salvador, sua Virginal e toda preciosa Câmara Nupcial e o tesouro sagrado da glória de Deus. Deus estabelece sua morada inteiramente nela, sem sofrer alteração; a Virgem substitui o Trono dos Querubins: de seu seio o Senhor fez seu Trono, Ele a tornou mais vasta do que os Céus, Ele que o universo inteiro não pode conter.

O cântico da Mãe de Deus ou Magnificat empregado como nona ode no cânone de Matinas, gera todos os desenvolvimentos conhecidos sob o nome de “Megalinário”. Estas peças começam, algumas vezes por “enaltece, ó minha alma...” e terminam mais geralmente por “nós te enaltecemos”. O cântico da Virgem fornece igualmente o tema da benção eterna: “todas as gerações proclamarão bem-aventurada; todas as nações da terra, de geração em geração te proclamam bem-aventurada; é digno e justo que te bendigamos, ó sempre bem-aventurada...”. Sua glória supera aquela dos próprios Anjos: Ela é mais alta dentre todas as obras do divino Criador, “mais venerável que os Querubins, mais gloriosa que os Serafins...”

O ciclo das Festas fixas apresenta a Mãe de Deus como aquela em quem se realiza o plano do Criador. Seu nascimento de um casal estéril recorda as intervenções de Deus na história do Povo Eleito e já libera Adão e Eva da sombra da morte. Sua entrada no Templo já anuncia a salvação do mundo pela vinda de Cristo e aporta ao Antigo Templo a graça do Espírito Santo. A Anunciação é a aurora da nossa salvação onde é manifesto o mistério eterno pelo qual o Filho de Deus torna-se Filho da Virgem. O megalinário do Hypapante (Santo Encontro) celebra o Verbo, Filho Primogênito do Pai Eterno e Primogênito de uma Virgem Mãe. Em sua Dormição, a Mãe de Deus vai ao encontro da Fonte da Vida e, viva ainda após sua morte, ela ultrapassa, de um extremo ao outro de seu mistério, as Leis da Natureza, ela que permanece Virgem em seu parto.

Pois o seu papel devia culminar na grande maravilha do Natal, este mistério admirável que ultrapassa o entendimento e que o Oriente não deixa de admirar em todos os seus detalhes: não somente a concepção virginal, mas a encarnação da Palavra,a entrada do Eterno no tempo, o Deus de antes dos séculos tornou-se menino recém-nascido, o Criador do mundo habitando uma gruta e repousando em uma manjedoura, o Sol de Justiça revelado aos Magos adoradores dos astros, os Pastores cantando sua glória sobre a terra tal como os Anjos no céu.

E a Virgem, neste novo Éden encontra a humanidade primária de antes da queda: maravilhoso Jardim do Paraíso, ela faz germinar o Cristo sem semente nem labores; Sarça Ardente, ela faz nascer em seu seio o Fogo da Divindade, sem ser consumida. Sem perder sua integridade, ela concebeu Deus Verbo. Virgem Inesposada, Esposa sempre Virgem, ela é sobretudo “a única Mãe e Virgem”, “a única Mãe de Deus”.

É este aspecto que o Ocidente contempla com a maior admiração. Aquela que o Ocidente chama “a Virgem” e que as estátuas representam geralmente sem o seu Filho, é para o Oriente “a Mãe de Deus”, aquela que gerou nosso Deus e Salvador Jesus Cristo – em grego Theotokos e em eslavônico Bogoroditse – e que os ícones não saberiam representar de uma outra forma que não fosse aquela de Mãe de Deus, que traz o Cristo ou permanece ao seu lado em uma atitude de intercessão (Deísis). Enquanto o Ocidente exalta a virgindade, em seu aspecto moral, buscando tirar ensinamento prático, um remédio à concupiscência, o Oriente dimensiona, sobretudo, o aspecto funcional da maternidade. Não é a virgindade, por ela própria que nos comove, mas sim o fato de que um Virgem conceba e que ela concebe para nós o nosso Deus Salvador. As virgens são inumeráveis na história do mundo, a Mãe de Deus, no entanto, é única.

Compreendemos, neste contexto, as hesitações dos himnógrafos, o embaraço dos poetas que não encontram os termos adequados, a vertigem que dizem provar diante do mistério desta concepção divina, a perplexidade que eles alegam ao próprio Arcanjo Gabriel. Não é prosa, mas sim a expressão singela e sincera de seu respeito diante do mistério que escapa à análise, o qual só podemos “cantar” em termos poéticos.

Introdução do livro de melodias das éditions de Chevetogne
P. Denis Guillaume – moine de Chevetogne
Tradução da Monja Rebeca