“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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terça-feira, 9 de dezembro de 2008

“O Arrependimento”

Santo Inácio Briantchaninov
“Introduction à la tradition de l´Église d´Orient. Les miettes du festinr”

O arrependimento é o único sacrifício que Deus aceita do espírito decaído do homem. Os outros sentimentos, e até mesmo a ascese mais exigente que podemos sem exagero chamar de “holocausto”, Deus os rejeita por estarem manchados pelo pecado e precisam, antes de serem oferecidos em sacrifício, ser purificados pelo arrependimento. Este é o único sacrifício do homem decaído que o Senhor não despreza nem rechaça (cf. Salmo 51, 19). Mas quando, graças ao arrependimento, Sião é renovada e as paredes da nossa Jerusalém espiritual são reerguidas, então podemos com confiança oferecer no altar do nosso coração sacrifícios de justiça: nossos sentimentos renovados pela graça de Deus. Então o homem se torna capaz de oferecer-se a si mesmo em holocausto e em total oblação (cf. Salmo 51, 19-21). O santo mártir Sadoc disse: “O homem espiritual aguarda a morte pelo martírio com alegria, desejo e grande amor, a não a teme, porque está pronto; quanto ao homem carnal, terrível é para ele a hora da morte”.

O arrependimento nos é pregado pelo Evangelho. Conforme palavras do Evangelho, a conseqüência direta do nosso arrependimento há de ser a nossa entrada no Reino dos Céus. Eis porque todo o tempo compreendido entre a nossa adoção por Cristo, e a nossa entrada na eternidade, ou seja, toda a duração da nossa vida na terra, deve constituir o campo do nosso arrependimento. E evidente que aqueles que se arrependeram entram definitivamente na posse do Reino dos Céus. Eis porque todo o tempo compreendido entre a nossa adoção por Cristo e a nossa entrada na eternidade, ou seja, toda a duração da nossa vida na terra, deve constituir o campo do nosso arrependimento. É evidente que aqueles que se arrependem entram definitivamente na pose do Reino dos Céus. A primeira palavra, o primeiro mandamento dado pelo Deus feito Homem à humanidade decaída que Ele veio salvar, dizia respeito ao arrependimento: A partir desse momento, começou Jesus a pregar e a dizer: “Arrependei-vos, porque está próximo o Reino dos Céus” (Mat. 4, 17). Após Sua Ressurreição e antes da Sua Ascensão, o Senhor abriu o espírito dos discípulos e eles compreenderam as Escrituras. Então, disse-lhes que de acordo com elas, fora necessário que o Cristo sofresse e que ressuscitasse ao terceiro dia, e que, em Seu Nome, fosse proclamado o arrependimento para a remissão dos pecados a todas as nações, a começar por Jerusalém (Lc. 24, 45-47).

Para alguém crer em Cristo e tornar-se cristão, é preciso ter a consciência do seu estado de pecador e arrepender-se; para permanecer cristão, é preciso enxergar seus pecados, ter consciência deles, confessá-los e arrepender-se deles. Quando os judeus que demonstravam boa disposição para com a fé perguntaram ao santo apóstolo Pedro o que deviam fazer, ele lhes respondeu: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para a remissão dos pecados (Atos 2, 28). Igualmente, o apóstolo Paulo conjurava por toda parte ao arrependimento diante de Deus e à crença em Jesus, nosso Senhor (Atos 20, 21).

Não é possível unir-se a Cristo permanecendo nos pecados e gostando deles: Pois quem faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que suas obras não sejam demonstradas como culpáveis (Jo. 3, 20). Que afinidade pode haver entre a justiça e a impiedade? Que comunhão pode haver entre a luz e as trevas? Que acordo entre Cristo e Beliar? (II Co. 6, 14-15). Para aproximar-se de Cristo e unir-se a Ele pelo Santo Batismo, é preciso, antes de tudo, arrepender-se. Mesmo depois do Santo Batismo, guardamos a liberdade de ou permanecermos unidos ao Senhor ou rompermos esta união ligando-nos ao pecado. Mais ainda, o Santo Batismo não suprimiu na nossa natureza decaída a sua tendência a misturar o bem e o mal, para que a nossa liberdade seja constantemente posta à prova e para que, ao escolhermos o bem divino ou preferimos o mal mesmo ao nosso próprio bem corrompido, ajamos livremente, o que provamos pela nossa submissão a todas as aflições encontradas pelo caminho da Cruz.

O Santo Batismo apaga em nós o pecado original, assim como os pecados cometidos antes do batismo; por ele, o pecado perde o domínio poderoso que tinha sobre nós antes do nosso renascimento, a graça do Espírito Santo, pela qual somos unidos a Deus em Cristo, desce sobre nós e recebemos a força de vencer e esmagar o pecado. Por não estarmos liberados da necessidade de lutar contra o pecado, não podemos, durante toda a nossa vida na terra, ficar totalmente isentos de quedas: Pois o justo cai sete vezes (isto é, várias vezes) e se levanta (Prov. 24, 16) pelo arrependimento, diz a Santa Escritura. Ele cai por causa da sua fraqueza e das suas limitações, pois ainda não discerne o pecado que surge sutil e imperceptivelmente da nossa natureza decaída, ou que nos é trazido e sugerido com malícia e dissimulação pelos espíritos decaídos; o arrependimento torna-se o quinhão inalienável do justo, sua arma constante, seu inestimável tesouro. É pelo arrependimento que o justo protege sua união com Cristo. É por ele que o justo se cura das feridas causadas pelo pecado.

São João, o Teólogo, adverte-nos: Se dissermos: “Não temos pecado”, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós. Se confessarmos nossos pecados, Ele, que é fiel e justo, perdoará de toda a injustiça. Se dissermos: “Não pecamos”, fazemos d´Ele um mentiroso, e a Sua palavra não está em nós (1 Jo. 1, 8-10). O Teólogo diz isso dos pecados involuntários devidos à nossa fraqueza e às nossas limitações, dos pecados pouco importantes aos quais nem mesmo os santos podem escapar. Mas a respeito de uma vida voluntariamente pecadora, ele diz: Todo aquele que permanece n´Ele (no Senhor Jesus Cristo) não peca. Todo aquele que peca não O viu nem O conheceu. Filhinhos, que ninguém vos desencaminhe. O que pratica a justiça é justo, assim como Ele é justo. Aquele que comete o pecado é do diabo, porque o diabo é pecador desde o princípio. Para isto é que o Filho de Deus Se manifestou: para destruir as obras do diabo. Todo aquele que nasceu de Deus não comete pecado (isto é, não leva uma vida de pecado, não incorre nos pecados mortais e nos pecados intencionais), porque Sua semente permanece nele; ele não pode pecar porque nasceu de Deus. Nisto se revelam os filhos de Deus e os filhos do diabo (1 Jo. 3, 6-10).

Os filhos de Deus levam uma vida conforme os mandamentos do Evangelho e, em suas inclinações para o pecado, fazem penitência. Se acontecer de um servo de Deus incorrer, por algum infeliz acidente, num pecado mortal, ele se cura da ferida pelo arrependimento e pela confissão, e nem por isso deixa de ser filho de Deus. Aqueles que levam voluntariamente uma vida de pecado, por apreciá-la, que incorrem de bom grado no primeiro pecado que se lhes apresenta, que encontram os gozos da vida em todas as formas da luxúria e em qualquer transgressão dos mandamentos do Evangelho, esses são os filhos do diabo, ainda que se digam cristãos, ainda que assistam a alguns ofícios ou cerimônias religiosas, ainda que se aproximem dos Sacramentos, por eles profanados pela sua própria condenação.

Este é o lugar que ocupa o arrependimento na vida de todo o cristão.

"Boletim Interparoquial", dez 2002