“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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segunda-feira, 25 de agosto de 2008

"Sobre a Relação do homem com o Deus Pessoal"

O Senhor havia dito a Pilatos: “Eu vim ao mundo para testemunhar da Verdade”. Pilatos havia replicado, de forma curta: “O que é a verdade?”, e seguro de que não havia resposta a tal questão, nada esperando de Cristo, sai de Sua presença e dirige-se aos judeus que estavam do lado de fora. Em certo sentido, Pilatos tinha razão; se por verdade entende-se Verdade enquanto fonte de tudo aquilo que existe, a questão: “O que é a Verdade?” não pode ter resposta.

Mas, no entanto, referindo-se à Verdade primária ou a Verdade em si, se tivesse posto sua questão de forma como a qual deveria ter sido posta: “Quem é a verdade?”, ele teria recebido em resposta a palavra que, há pouco tempo então, prevendo a questão de Pilatos, o Senhor havia dito durante a Santa Ceia aos Seus Discípulos Bem Amados e, por eles, ao mundo inteiro: “Eu sou a Verdade” (Jo.14,6;18,327-38).

Enquanto a ciência e a filosofia põem em questão: “O que é a verdade?”, uma consciência autenticamente cristã está sempre orientada à verdade pessoal: “Quem é a Verdade?”.

Os representantes da ciência e da filosofia vêem, geralmente os cristãos como sonhadores e consideram-se, eles próprios, como fundamentos estabelecidos sobre uma base sólida, e, com isso nomeiam-se “positivistas”. Coisa estranha, eles não compreendem a que ponto sua concepção de verdade impessoal é negativa; eles não compreendem que a verdade autêntica e absoluta só pode ser uma Pessoa, um Sujeito, “quem?”, e não um objeto, “o que?”, porque a verdade não é uma fórmula ou uma idéia abstrata, mas a Vida em Si, “Eu Sou Aquele que é” (Ex.3,14).

De fato, o que poderia haver de mais abstrato e de mais negativo que uma verdade impessoal, um “que?” Nós encontramos esse paradoxo em todo o desenvolver histórico da humanidade após a queda de Adão. Fascinada pela sua razão, a humanidade vive uma espécie de vertigem. Desta forma, a ciência “positiva” e a filosofia não são, elas, as únicas a indagar, tal como Pilatos: “O que é a verdade?”, mas poderíamos observar esta mesma tendência na própria vida religiosa da humanidade. Mesmo lá, os homens estão constantemente inclinados à busca de uma verdade “objetiva”.

A razão humana presume que desde que ela tenha possessão desta verdade objetiva, desfrutará de poderes mágicos e tornar-se-á mestra da existência cósmica.

Na vida espiritual, o homem que emprega a via da busca racional cai inevitavelmente em uma forma de panteísmo. cada vez que um teólogo tenta conhecer a verdade sobre Deus pelas suas próprias forças, estando consciente ou não, ele cai fatalmente no mesmo erro que a ciência, a filosofia e o panteísmo; à saber: a busca de um princípio universal trans-pessoal.

A “Verdade-Pessoa” não pode, de forma alguma, ser conhecida pela razão. o Deus pessoal só pode ser conhecido por Revelação (Mt.11,27) e comunhão existencial, o que quer dizer, pelo Espírito Santo.

O próprio Senhor fala assim: “Se alguém Me ama, guardará a Minha Palavra, e meu Pai o amará, e viremos para Ele e faremos n`Ele morada” e ainda “mas aquele Consolador, o Espírito Santo que o Pai enviará em Meu Nome, Esse vos ensinará todas as coisas” (Jo.14,23e26). O starets Silouane reforçava constantemente isso.

A tradição ascética ortodoxa rejeita, como errônea, a via da contemplação abstrata. Aquela cuja meditação religiosa estaciona-se à contemplação abstrata do Bem, da Beleza, da Eternidade, do Amor, etc... Faz falsa rota, caminha por estrada falsa. Aquele que não rejeita todas as imagens e os conceitos empíricos ainda não encontrou a Via Verdadeira.

A contemplação ortodoxa não é uma contemplação abstrata do Bem e do Amor. Ela não é mais do que um simples rejeitar pelo intelecto todas as imagens e os conceitos empíricos. A verdadeira contemplação é concedida por Deus, pela Sua vinda à alma; e então a alma contempla Deus e vê que Ele Ama, que Ele é Bom, que Ele é Belo, que Ele é Eterno; ela vê Sua transcendência e seu caráter inefável.

A verdadeira via espiritual não se situa sobre o plano da imaginação. Ela é plenamente concreta e positiva. A verdadeira comunhão com Deus só pode ser buscada por uma oração pessoal dirigida ao Deus pessoal. A verdadeira experiência espiritual cristã é uma comunhão com um Deus absolutamente livre, ela não depende, então, somente dos esforços do homem, nem da sua vontade, tal como nas experiências não cristãs.

Nossas palavras eram impotentes a descrever aquilo que tanto nos tocava nos relacionamentos com o starets. Apesar de toda a sua simplicidade e a doçura da conversação, sua palavra era extremamente eficaz, tal como uma fonte que jorra de uma profunda experiência da existência, tal como a palavra de um homem que porta verdadeiramente o Espírito da Vida.

A aparição de Cristo ao starets Silouane foi um encontro pessoal, tal como sua orientação a Deus, tomou um caráter profundamente pessoal. Quando ele orava, ele orava com Deus face a Face. A percepção do Deus pessoal purifica a oração da imaginação e das especulações abstratas, e a faz penetrar ao interior de uma comunhão viva e íntima. Concentrando-se no interior, a oração deixa de ser um “apelo no espaço”, o espírito se recolhe e põe-se à escuta. Quando ele invocava a Deus pelos nomes divinos – Pai, Senhor e outros – o starets encontrava-se em um estado que “não convinha o homem falar” (IICo.12,4); mas aquele que já teve ele próprio a experiência da presença do Deus vivo, compreenderá.

Um venerável asceta do mosteiro, Padre Trófimo, observa este estado no starets Silouane; o que provocava nele tal temor e perplexidade, os quais ele nos fez saber após a morte do starets.

Tendo chegado a questão da oração “face à face”, que marca, à nosso parecer, o princípio da percepção no homem da “imagem de Deus”, parece-nos necessário aportar alguns esclarecimentos concernentes a este aspecto de nossa vida espiritual.

A última etapa da Revelação é aquela do Deus Pessoal, Hypostático. O Deus Hypostático só pode ser conhecido por Revelação, que toma forma através de uma manifestação de Deus ao homem em uma comunhão imediata “face à Face”. Normalmente, esta revelação é concedida ao homem em oração; na sua realidade, a mais profunda, uma tal oração é a energia do próprio Deus agindo ao interior do homem. É indispensável - a fim de retomar os termos do starets Silouane – que “Deus, é primeiramente quem nos procura e Se manifesta a nós”.

Quando o Deus Hypostático Se revela ao homem, não sendo ainda “como em um espelho” (IICo.3,18), surge, então, no homem, tal como uma nova luz, a tomada de consciência de seu próprio caráter hypostático, no qual se reflete, antes de tudo, “a imagem de Deus”.

Ao homem “revestido de carne e vivente no mundo” é dado principalmente a experiência de sua individualidade limitada. O surgimento nele de uma nova dimensão da sua consciência é pressentido como um “nascimento do Alto” (Jo.3,3), em virtude do qual sua oração franqueia os limites de tudo aquilo que é temporal e material, então o homem sente com força que ele é introduzido na Eternidade divina.

A manifestação do Deus Hypostático ao homem fá-lo tomar consciência de que o princípio hypostático é o modo de existência do Absoluto, do Eterno, que a Hipóstase não é uma dimensão limitativa, mas que ela é Aquele que vive realmente: “Eu Sou” (Ex. 3,14; Jo.8,58). Fora desta dimensão do Deus Hypostático, nada existe e nem pode existir. Em Deus não há “essência” que se situaria para além da Hipóstase. É por isso que a oração dirige-se ao Deus Hypostático. Ela não é uma busca orientada à uma essência trans-pessoal.

Este conhecimento nos revela que somos hipóstases criadas, dotadas da liberdade de uma autodeterminação que podemos exercer, seja negativamente, seja positivamente, à guisa do nosso Modelo primário. Neste caso presente fazemos referência à segunda hipótese.

Uma hipóstase livre, não determinada, só pode ser criada como uma pura potencialidade que deverá, atualizar-se. Desta forma, não somos nós ainda plenamente hipóstases; à partir de uma existência “atomatizada” passamos por um processo mais ou menos longo de atualização do modo hypostático de nossa existência. Não devemos confundir a noção de pessoa – hipóstase – com aquela de indivíduo. Pois que estes são os dois pólos opostos do ser humano. Um exprime o ponto extremo de finalização da divisão (em grego, indivíduo chama-se “átomo” – sendo um estado resultante da queda); o outro se refere à “imagem de Deus”, segundo a qual Adão foi criado e no seio do qual estava potencialmente concentrada toda a humanidade. É esta “imagem” que nos foi revelada pelo Verbo Encarnado. Em razão daquilo que vem a ser dito, quando pensamos em Deus, não projetamos o conceito limitativo do indivíduo sobre o Ser divino para, em seguida, negar n´Ele o momento hypostático e, por conseqüência, tender a um Absoluto suprapessoal. O movimento do nosso espírito se exprime na oração “face a Face”, o que quer dizer, da hipóstase criada dirigida à Hipóstase de Deus. Torna-se essencial desenvolver no homem seu princípio hypostático; iremos brevemente falar de vias que conduzem a estes objetivos.

Nós todos fomos chamados do nada à vida, somos postos em tempo e espaço relativos. Imagem do Deus Absoluto, o espírito do homem sente-se limitado no que concerne a este mundo material; ele se sente atado, tal como um prisioneiro condenado à morte. Os sofrimentos de seu espírito podem tomar a forma de um desespero, donde nasce uma oração que jorra com uma nova intensidade, com uma esperança para além de toda e qualquer esperança (Rm.4,8). Pode-se dizer que, para todos nós, filhos de nossa época, a experiência de um tal desespero é indispensável na realização do nosso nascimento para a eternidade*.

Após a sua vinda ao mundo, o homem se instrui junto de seus pais, seus amigos e seus mestres; tornando-se maior, ele procede com ardor em tudo aquilo que pode lhe aportar novos conhecimentos. Porém, mais cedo ou mais tarde, ele chega a conclusão de que o conhecimento “científico” não somente não o faz sair das dimensões do tempo e do espaço relativos, mas, ao contrário, sujeita mais estreitamente ainda sua consciência ao aspecto determinado da existência do mundo. O refúgio de nosso espírito em aceitar a morte como absurda, como retorno ao nada, faz nascer nele uma ardente oração e o incita a buscar nos livros sagrados o conhecimento do Eterno. Todavia nenhuma escola, sendo ela escola de teologia, nem um livro qualquer, mesmo a Santa Escritura, seriam suficientes, sem uma extrema tensão de nosso ser na oração pura, para levar o homem à certeza interior de que ele foi ouvido por Deus e admitido na Sua Eternidade.

Uma tal oração “desesperada” é seguramente um Dom de Deus. Ela nos transporta aos confins do tempo e da eternidade. O tempo, literalmente “esquecido” fica pára trás, e o olhar de nosso espírito volta-se inteiramente à eternidade. Uma tal transferência de nosso espírito ao “fim dos tempos”, na oração, abre nossa inteligência à compreensão de numerosas expressões da Santa Escritura que, até então, pareciam paradoxos. Eis aqui alguns exemplos: “Um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia” (IIpe.3,8); “...fostes resgatados... com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado, o qual, na verdade, em outro tempo foi conhecido, ainda antes da fundação do mundo, mas manifestado nestes últimos tempos por amor de nós” (IPe.1,18-20); “ora tudo isto lhes sobreveio como figuras, e estão escritas para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos” (ICo.10,11); “Como também nos elegeu n´Ele antes da fundação do mundo” (Ef.1,4); “Escrevo-vos porque conhecestes Aquele que é desde o princípio” (IJo.2,13).

Qual o sentido destas expressões: “Últimos tempos” ou “fim dos séculos”? ou ainda, qual é o significado nos textos litúrgicos das seguintes expressões: “E Tu nos fizeste dom de Teu Reino Eterno” (Cânone da Liturgia de São João Crisóstomo); “Nós vimos a imagem da Tua Ressurreição e fomos saciados da Tua vida sem fim” (oração de conclusão da Liturgia de São Basílio).

Em razão de sua proximidade imediata com a Hipóstase divina do Verbo, ainda em vida sobre a terra, os apóstolos permaneceram por seus espíritos igualmente na eternidade. Para eles, tal como para todos e qualquer outro homem que conheceu por experiência um estado semelhante, o tempo toma fim. A idéia neotestamentária do tempo difere da concepção do tempo de Newton, de Einstein ou de outros diversos tipos de filósofos e gnósticos. Para os apóstolos, o tempo torna-se semelhante a um “espaço” o qual podemos franquear e “onde” é possível o primeiro encontro como o Criador. Observamos que a certos homens foi concedido de “ver o Reino de Deus vindo com poder, antes que provassem a morte” (Mc.9,1). É precisamente a estes homens que pertencem as expressões já antes reportadas.

No início, é Deus, o primeiro a nos buscar e a nos revelar a Sua Face; sem exercer violência alguma, Ele atira o homem na Sua Eternidade, mas em seguida, pode, novamente, o fazer “retornar” aos limites do tempo. Não nos parece haver outra explicação a este “retorno” do que a possibilidade oferecida ao homem de manifestar no ato de sua vida terrestre seu conhecimento d´Aquele que é (IJo.2,13), de ser testemunha de Seu amor pelos homens. Quanto ao homem, ele vive seu retorno como um “exílio longe do Senhor” (cf.IICo.5,6), como uma retirada da Graça, a sede de encontrar a plenitude da união com Deus incita a um esforço quem, enquanto um agir humano, torna-se seguidamente uma ciência, uma arte e uma cultura ascéticas. Para muitos homens da nossa época, esta cultura está perdida, ela tornou-se-lhes estranha, incompreensível.

A cultura ascética ortodoxa reveste-se de muitos aspectos: entre os quais se encontra a obediência monástica, ou mais exatamente, cristã. Como complemento do que dizemos acerca da obediência em outras partes deste livro, tentaremos aqui formular alguns pontos essenciais relativos aos sentidos e aos resultados desta obra. Tal como toda grande cultura, a obediência conhece variados níveis segundo a estatura espiritual daquele que a observa. De início, ela pode revestir o caráter de um abandono, por assim dizer passivo, da vontade diante do pai espiritual, em virtude da confiança que temos nele e em vista de um melhor conhecimento da vontade divina. Em uma forma mais perfeita, ela é uma atividade positiva de nosso espírito do seu esforço para realizar os mandamentos de Cristo, o qual amou infinitamente o mundo. Podemos caracterizar as disposições interiores de um discípulo que fez progressos, dizendo que ele deve tender sua atenção e sua vontade a fim de satisfazer o mais profundamente possível o pensamento ou a vontade de uma outra pessoa, e em seguida, de realizar, um ato de amor espiritual, o ideal ou a vontade de seu irmão. Por um tal ato de obediência, o coração daquele que obedece abre-se, seu espírito enriquece-se; uma nova vida penetra em sua alma. A um estado último, a obediência leva a compreender com mais sutileza cada homem, a perceber nele a imagem de Deus, o que denota no próprio discípulo a maturação de sua “humanidade”. São João o Evangelista escreve: “Se alguém diz: eu amo a Deus e aborrece seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu? E dele temos este mandamento: que quem ama a Deus, ame também seu irmão” (IJo.4,20-21). “Se Me amardes, guardareis os Meus mandamentos” (Jo.14,15).

A mesma estrutura é encontrada sobre o plano da obediência. Aquele que tem amor pelo seu irmão, deseja naturalmente realizar sua vontade, apagando-se diante dele; mas se nós não somos humildes diante de nosso irmão e não somos obedientes nas coisas relativamente secundárias, como seríamos então humildes diante de Deus e O obedeceríamos nós o mandamento de amar nosso próximo como à nós mesmos, ou de amarmos nossos inimigos? Desta forma, a ascese da obediência é indispensável não somente em relação a Deus, mas ainda em relação ao nosso irmão, quando este nos pede algo de possível e que não se oponha ao espírito dos mandamentos de Cristo. A crucificante ascese da obediência ao irmão afina igualmente em nós a capacidade de perceber mais profundamente a vontade de Deus, E isto nos torna semelhante ao Filho Único do Pai; o espírito do homem torna-se capaz de assumir toda a humanidade, quer dizer, torna-se universal à semelhança da universalidade divina de Cristo. Sem esta cultura da obediência, o homem permanecerá inevitavelmente egoísta, sempre miserável diante da face da Eternidade. Qualquer que seja o nível de educação de um homem, sem obediência evangélica o acesso ao seu mundo interior é solidamente barrado, e o amor de Cristo não pode aí penetrar nem o impregnar de Sua presença.

O homem psiquicamente doente não é capaz de satisfazer o pensamento nem a vontade de uma outra pessoa. Por conseqüência, a ausência de disposição a obedecer em um homem é o mais seguro indício de sua doença psíquica*. Sem obediência o homem permanece sempre no sulco estreito de seu individualismo egoísta, oposto ao princípio da pessoa. Fora da cultura cristã da obediência, o princípio hypostático não se desenvolve nos homens, e eles ficam surdos e cegos à Revelação divina que nos foi dada pela Encarnação do Logos, que manifesta sobre o plano histórico nossa imagem pré-eterna. A partir disto podemos dizer que fora da cultura cristã da obediência a teologia verdadeira habita inacessível em suas últimas profundezas. Nós temos em vista a teologia compreendida como um estado de comunhão com Deus e não como uma erudição que pode estar extremamente afastada da vida verdadeira*.

Grande é a ciência da santa obediência. É nos indispensável orar, para que nossos olhos espirituais abram-se e possam ver a sua grandeza e sua santidade. Lembramo-nos como o starets Silouane, quando falava desta via oculta nos mandamentos de Cristo, saciava-se de um humilde sentimento de ternura diante da grandeza da vida que nos é dada em Deus.

Eis ainda uma remarcável conseqüência da ascese da obediência; aprendendo a perceber tanto os pensamentos como as vontades das outras pessoas, o discípulo aprende simultaneamente a viver seus diversos estados não somente como “os seus” próprios (individuais), mas ainda como uma forma de revelação daquilo que se passa na humanidade. Cada um dos seus confrontos, de suas dores, de seus sofrimentos físicos ou morais, tal como cada um dos seus sucessos ou de suas alegrias, ele as vive não somente nele próprio, egoisticamente, mas em espírito, ele se transporta nos sofrimentos ou nas alegrias de todos os homens; pois a cada instante, milhares de homens encontram-se em um estado semelhante ao seu. Isto o conduz naturalmente à oração pelo mundo inteiro. Orando pelos vivos, ele partilha a alegria de seu amor ou de suas assustadoras trevas.

Estando enfermo, ele ora por todos os doentes do mundo, sofre os leitos daqueles que estão imersos na solidão e indefesos diante da frieza da morte. Lembrando-se dos mortos, ele se transporta em espírito na noite dos séculos passados ou pôe-se sobre a invisível, mas temível, via pela qual passam, a cada dia, centenas de milhares de almas que deixaram seus corpos, na maioria dos casos, após uma dolorosa agonia. Desta forma, desenvolve-se na alma do discípulo a compaixão cristã por toda a humanidade; do Adão total, quer dizer “hypostático”, à imagem da oração de Cristo no Getsêmani. Através de uma tal oração, ele ressente sua unidade como toda a humanidade, e amar ao seu próximo, quer dizer, a cada ser humano, torna-se para ele natural. Este gênero de oração contribui ativamente para a salvação do mundo; cada cristão deve assim tender, mais em particular aqueles que estão nas ordens sagradas aquando da celebração da Divina Liturgia.

Não percamos de vista que a vida de ascese e de oração está ligada de uma maneira mais estreita à nossa consciência dogmática, quer dizer, à uma contemplação correta da Revelação que nos foi feita do Deus Uno em Três Hypóstases. Nós somos criados à imagem do Deus Trinitário e somos chamados à uma livre auto-determinação. Deus revela-Se ao homem e “espera” dele uma resposta ao Seu amor; Ele espera que nós mesmos, nós queiramos ser semelhantes a Ele. Do caráter de nossa resposta depende toda a nossa eternidade. Eis que nosso propósito era a obediência, retornemos ao nosso tema. Nós estimamos necessário sublinhar que a perda da teologia ortodoxa concernente ao princípio da Pessoa conduz inelutavelmente, ao conceder a pré-eminência ao “comum” sobre o “particular”, a buscar algum “princípio trans-pessoal”. Neste caso não usaríamos de obediência em relação a um homem, à uma pessoa, mas uma submissão “à lei”, à “regra”, à “função”, à “instituição”, etc... Refleti sobre aquilo que vos foi dito e vereis que com uma tal maneira impessoal de abordar a estrutura da sociedade humana se perde o autêntico sentido da obediência cristã expressa nos Mandamentos de Cristo, e que no seu lugar intervém a “disciplina”. esta última é indispensável e inevitável quando os homens vivem juntos, mas somente a um certo limite. A perda da obediência cristã não será compensada por nenhum sucesso.

Ensinamento do Staretz Silouane
pelo Arquimandrita Sofrônio
Boletim Inerparoquial, setembro 2002