“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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sábado, 5 de julho de 2008

"Verdadeira Liberdade"

Epístola (Gl.4,22-31) - “Porque está escrito que Abraão teve dois filhos, um da escrava e outro da livre. Todavia o que era da escrava nasceu segundo a carne, mas, o que era da livre, por promessa. O que se entende por alegoria: porque estes são os dois concertos: um, do monte Sinai, gerando filhos para a servidão, que é Agar. Ora, esta Agar é Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus filhos. Mas a Jerusalém que é de cima é livre; a qual é mãe de todos nós. Porque está escrito: Alegra-te, estéril, que não dás à luz: esforça-te e clama, tu que não estás de parto; porque os filhos da solitária são mais do que os da que tem marido. Mas nós, irmãos, somos filhos da promessa como Isaac. Mas, como então aquele que era gerado segundo a carne perseguia o que era segundo o Espírito, assim é também agora. Mas que diz a Escritura? Lança fora a escrava e seu filho, porque de modo algum o filho da escrava herdará com o filho da livre. De maneira que, irmãos, somos filhos não da escrava, mas da livre.

Evangelho (Jo. 6, 1-5) - “ Depois disto partiu Jesus para a outra banda do mar da Galileia, que é o Tiberíades. E grande multidão o seguia; porque via os sinais que operava sobre os enfermos. E Jesus subiu ao monte, e assentou-se ali com os seus discípulos. E a Páscoa, a festa dos judeus estava próxima. Então Jesus, levantando os olhos, e vendo que uma grande multidão vinha ter com ele, disse a Filipe: Onde compraremos pão, para estes comerem? Mas dizia isto para o experimentar; porque ele bem sabia o que havia de fazer”.

O grande, santo e Apóstolo Paulo, em sua Epístola precitada, faz comparação entre a lei do Sinai e a Lei da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, entre a escrava e a liberdade. Diz-nos Paulo: “Aquele que está sujeito à Lei é escravo, filho de uma escrava; aquele que vive na Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, é livre, filho de uma mulher livre”. Desta forma é posto perante nós o problema da liberdade.

Paulo ensina-nos que o centro da nossa redenção é a libertação e que, se o nosso comportamento não for o de homens livres, nós não somos, realmente discípulos de Cristo e continuamos ainda sob o jugo da lei – filhos da escravidão!

Mas que liberdade é esta de que fala Paulo?

Parece-me ouvir, ao longe o seguinte diálogo: “liberdade democrática, liberdade de opinião, liberdade de consciência?” Estas liberdades tão “queridas” de tantos e tão apregoadas e cantadas desde o fim do século XIX, onde nos levaram elas senão a um caos terrificante? O pensamento (os filosóficos, os sócio-economistas, etc.) afastou-se do pensamento tradicional e verídico, cada um puxando a seu bel prazer a manta da liberdade, construindo, destarte, uma sociedade dessacralizada, disforme, acéfala. Os fazedores das novas ideologias, glosando todos o tema da “liberdade” nada mais conseguiram do que engendrar o egoísmo, o individualismo, a falta de consciência de unidade do mundo. E chegamos a acreditar que estas “liberdades”, portadoras de desordem, nada mais são em si mesmas do que uma utopia.

Onde irá parar o Mundo se cada homem agir segundo a “sua” consciência? Para onde irá?...”

E a resposta vem do outro interlocutor: “a liberdade é tentadora, pois a lei esmaga. As sociedades excessivamente bem organizadas são pesadas para o homem, a ditadura e a autoridade diminuem a nossa dignidade. É atraente a liberdade!...”. Mas, vemo-la nós engendrar a elevação da alma? Não! Ela provoca, antes de mais nada, paixões. Então, por que razão o homem votando pela ordem, pela estabilidade, pela organização, pelas leis, pela tradição ancestral, chora atrás daquilo a que chamamos “liberdade dos filhos de Deus”? Mas então recusa abandonar as tais “liberdades” e, razoavelmente, constata o perigo. Uma solução se impõe – solução relativa, compromisso sem virtude!

Onde o mal-entendido? Somos nós, verdadeiramente, chamados à Liberdade?

Sem dúvida alguma! Cristo, Senhor da Vida, veio para libertar os prisioneiros, primeiramente os dos infernos, depois os prisioneiros do pecado, da morte, do demônio, da lei e da letra. Sendo Ele o nosso libertador, ou Cristo é um utopista, concedendo-nos uma liberdade criadora de desordem, ou então compreendemos muito mal a liberdade de Cristo! Aproximamo-nos da resposta.

A liberdade tão freqüentemente anunciada no decorrer dos últimos séculos não é a libertação! Essa liberdade quis libertar o homem socialmente, intelectualmente, psicologicamente, sentimentalmente. Mais nada! Todavia, a libertação da criatura humana não está, em primeiro lugar, no plano social, sentimental ou intelectual; ela consiste do “domínio interior” das paixões. De que serve a liberdade exterior se o homem continua escravo de uma pequenez de alma, vivendo na sua pobre “micropsiquia” todos os dramas e paixões interiores que o avassalam e dominam, como ditadores, sem os poder controlar, dominar?

A liberdade íntegra, autêntica, só é verdadeira quando o Homem se libertou, em Cristo, de si mesmo, isto é, se libertou das paixões, do egoísmo, da ignorância, das falsas idéias e ideais. Não, irmãos, nós cristãos não podemos ser os arautos da liberdade exterior, mas sim os arautos das conquistas interiores que abrem no homem o Reino do Espírito.

Que monstruosidade é a liberdade exterior, se o crime permanece escondido no coração? Imaginai o resultado... Que fazer, então?

O erro de todos quantos apregoam a liberdade exterior é de suporem o homem perfeito, quando ele é na verdade pecador. O erro dos outros é de não acreditarem nos seus irmãos, de se aplicarem a prendê-los, a acorrentá-los a leis que são contra a dignidade dos homens, considerando-os pequenos, ridículos, desprezíveis – inúteis! - , esquecendo que mesmo no pecador está a imagem do Criador, enquanto nele houver (e há sempre) uma centelha da Graça que alimenta a esperança de uma reconversão.

Igreja Una, a Igreja de Cristo, que manteve todos os Seus ensinamentos na Verdade e na Santidade.

Falso idealismo ou falso desprezo, ignorância do pecado ou desconhecimento da Graça. O discípulo de Cristo sente a profundeza do pecado e a dureza férrea das cadeias interiores, mas sabe que deve combater em Cristo para a sua perfeição interior e que o mesmo Cristo o libertou, para sempre, porque o homem é filho de Deus e Ele é seu irmão.

O milagre a que o Evangelho de João alude e onde é narrada a multiplicação dos pães, é uma imagem da Sagrada Eucaristia e uma resposta ao grande Tentador. Lembrai-vos daquela perícopa do Evangelho que nos diz que o Senhor foi tentado para das pedras fazer pão. Cristo responde ao príncipe da iniqüidade “nem só de pão vive o homem, mas também da palavra que sai da boca de Deus”.

O Salvador, durante três dias, alimenta aquela multidão imensa com a Sua doutrina de Verdade e de Vida. Todos escutam. Ninguém se lembra de partir, de ir encher o ventre e voltar depois para escutar o Senhor. O corpo, o físico, passa para um plano bem secundário. Então Cristo realiza o milagre da multiplicação em torno da Sua palavra, ouvindo a verdade e alimentando a alma, então o Senhor responde ao tentador – faz, o milagre pedido.

Qual é a radical diferença entre o pensamento do demônio e o pensamento de Cristo? Cristo põe em primeiro lugar a Sua confiança em nós. Ele trata-nos como filhos da Liberdade para os quais o primordial alimento é o pão da Verdade, o pão dos Anjos; o demônio começou pela zona mais baixa, pelo ventre.

É falso começar, seja o que for, pelo exterior. Libertemos-nos das nossas paixões e a sociedade será livre. Aniquilemos as falsas doutrinas diabólicas que nada mais vêem do que a terra que nossos pés pisam e tomemos raízes profundas pela obediência e pelo amor da Verdade de Cristo e então poderemos ser, para todos os homens, “portadores de liberdade” e, porque imagens vivas de Cristo que habita em nós, portadores também, da “libertação” em Cristo. Amém!

Pelo Bispo Jean
Artigo editado pela Revista ORTODOXIA
Metropole Ortodoxa de Portugal – número 1
Boletim Interparoquial, julho de 2005