“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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quarta-feira, 9 de julho de 2008

"Onde deveremos procurar o Reino de Deus?"

"Teu reino vem!"

Lendo o Evangelho não podemos deixar de notar que ele fala com freqüência no Reino de Deus. Muitos diálogos e parábolas de Cristo são destinados a revelar a natureza, atributos e propósito do Reino de Deus. Isso era tão óbvio para os contemporâneos que eles chamavam o ensinamento do conjunto desses ensinamentos de "pregação das boas novas do Reino de Deus" (Mt. 4:23).

Mas no que implica este título? Significa ele a futura vida depois da morte, que vem depois da ressurreição dos mortos? Ou, talvez, ele signifique a condição espiritual presente do homem, sua prontidão para se comunicar com Deus? Implica ele numa sociedade construída segundo os princípios evangélicos? Ou o reino universal dos santos, de mil anos de duração descrito no livro do Apocalipse (Apocal. 20:4)?

A palavra "Reino" presume em si uma estrutura social extensiva e bastante complexa: um estado, um império. Agora, se tudo que existe é uma decorrência de Deus (pois nada existe que não tenha sido criado por Ele), então o Reino de Deus é, em principio e por projeto, o mundo inteiro de Deus, o imenso universo, que inclui todas as coisas visíveis e invisíveis. Esta parece ser uma afirmação correta.

Mas se nós sabemos que Deus é infinitamente bom e justo, de onde vem toda esta discórdia? Todas estas calamidades e desastres, miríades de malignidades: crimes, atos de violência e injustiça, doenças e mortes, que são vistas por toda parte? Porque aquilo que deve acontecer não se ajusta ao que acontece de fato?

"É por causa do pecado e desobediência a Deus, por causa da resistência consciente a Ele," explica a Sagrada Escritura.

É o dom da liberdade concedido aos homens (e aos anjos) pelo Criador, que pressupõe a habilidade para infringir a Sua vontade e leis, que traz desarmonia para a beleza e ordem que deveria ter existido em todo o universo. A liberdade da vontade é como fogo, que um selvagem pode usar para cozinhar sua comida ou esquentar a sua morada no tempo frio, ou então queimar toda a floresta e talvez até mesmo perecer neste fogo.

A principio Deus poderia nos ter "programado" para só fazermos o bem, não causarmos danos aos outros e a nós mesmos, e agirmos somente como predestinados: comer, dormir, multiplicar. Mas neste caso nós seriamos robôs ou animais, dirigidos pelos instintos naturais, e não como seres de espírito-livre. Nós seriamos espiritualmente deficientes e, além disso, estaríamos privados da real possibilidade do prazer do trabalho criativo, inspiração e de atos de livre-vontade de caridade e amor. Deus criou muitos seres sem liberdade moral, que, no entanto, vivem somente pelas leis físicas. Mas eles foram simplesmente um estágio preparatório antes da concretização do homem, para quem nosso Deus criou o mundo físico.

Em Seu incompreensível amor Deus não fez os homens como "mecanismos" cegamente submissos, mas nos criou como "filhos" livres, capazes de amor consciente, e desejosos por Ele como Protótipo e Ideal. Deus deu ao homem grandes dons espirituais, colocou-o no doce paraíso, fez dele dirigente de todas as criaturas e deu a ele a árvore da vida, para que ele fosse sempre saudável, pudesse se aperfeiçoar e amar a vida. Que honra e graça! E qual não deveria ser a gratidão das pessoas que habitavam no Éden!

Mas nós temos consciência da tragédia que ocorreu: o selvagem apreendeu a fazer fogo e tocou fogo na floresta. Felizmente, ele não a queimou inteiramente e para sempre!

Nós não vamos aqui recontar os detalhes da catástrofe espiritual do homem, descrita no capítulo 3 do Livro da Gênesis. É importante lembrar que devido a esta tragédia todas as pessoas nascem moralmente defeituosas e predispostas a pecar. O pecado original é como um defeito biológico da célula, que passa dos pais para as crianças.

A tragédia da humanidade é que as pessoas, com todas as suas boas intenções e esforços, não conseguem curar a podridão espiritual, que tem suas raízes muito fundas no nosso ser físico e espiritual.

Por misericórdia de Deus, nem a terra nem o inferno — a tenebrosa morada do mal, que os demônios fizeram para si próprios, — se espalharam através do Reino de Deus. Elas são mais como "ilhas" isoladas, "áreas de quarentena," ou manchas escuras no imensamente grande Reino da Luz e do Bem. Paz e harmonia reinam por toda parte, especialmente no mundo angélico. Todos rejubilam com a luz vivificante dada pelo Criador, agradecendo a Ele por Sua eterna bondade.

Mas murmúrios, gemidos e maldições são ouvidos na nossa sociedade, que se afastou do Criador. As pessoas enganam e ofendem umas às outras, "o homem tornou-se um lobo para com seu companheiro." Às vezes parece que as trevas espirituais absorverão o nosso mundo, fazendo dele um inferno real.

Mas isto nunca acontecerá! Nós sabemos, como nos foi prometido pelo Salvador, que o mal será permitido somente por um certo tempo. Vindo para o nosso mundo por uma segunda vez, o Filho de Deus ressuscitará todas as pessoas. Então todos os malignos, malfeitores, estupradores e malfeitores, todos os que odeiam a luz e estão felizes com o mal, serão jogados na ígnea Gehena, junto com os demônios. O mundo será completamente renovado. Todos aqueles que viveram pelo Evangelho, amaram o bem, procuraram a verdade, sofreram sem culpa, evitaram mentiras e violência, serão "salvos," o que significa que eles serão reunidos com o resto do Reino de Deus. E isto será a alegria inexplicável.

"E vi um novo céu, e uma nova terra," escreve o Apóstolo João no Apocalipse, "Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram... E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas... E nela não vi templo, porque o seu templo é o Senhor Deus Todo-poderoso, e o Cordeiro. E a cidade (Nova Jerusalém) não necessita de sol nem de lua, para que nela resplandeçam, porque a glória de Deus a tem alumiado, e o Cordeiro (Filho de Deus) é a sua lâmpada. E as nações andarão à sua luz; e os reis da terra trarão para ela a sua glória e honra. E as suas portas não se fecharão de dia, porque ali não haverá noite. E a ela trarão a glória e a honra das nações... E mostrou-me o rio puro da água da vida, claro como cristal, que procedia do trono de Deus e do Cordeiro. No meio de sua praça, e de uma e da outra banda do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês; e as folhas da árvore são para saúde das nações... E verão o seu rosto, e nas suas testas estará o seu nome. E ali não haverá mais noite, e não necessitarão de lâmpada nem da luz do sol, porque o Senhor Deus os alumia" (Apocalipse 21 e 22).

A natureza deste mundo é tão diferente do nosso universo físico que faltam palavras ao autor para descrevê-lo. É claro, no entanto, que este é o mais belíssimo mundo, e o simples entendimento do pecador condenado de que ele nunca chegará lá, parece ser a mais dolorosa tortura.

Ai está porque o Evangelho fica insistentemente chamando todo mundo para fazerem todos os esforços, sacrificando qualquer coisa inclusive esta própria vida temporal, para vivê-la no Reino de Deus. O Reino de Deus é nossa verdadeira pátria, enquanto este mundo, no estado presente, é estranho para Deus, e assim deve ser estranho para nós também.
Bispo Alexander (Mileant).
Tradução: Padre Pedro Oliveira