“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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terça-feira, 20 de maio de 2008

"Os Fariseus"

O grupo religioso judaico mais conhecido da época de Yeshua é sem dúvida o dos "Fariseus". Popularmente, na cultura ocidental, sob a influência do Cristianismo Católico e Protestante, a imagem dos "Fariseus" é das mais negativas ("fanáticos", "legalistas", "hipócritas"). No entanto, uma surpresa nos aguarda ao analisarmos os dados históricos, inclusive os do Novo Testamento, pois, provavelmente, eles constituem o grupo mais injustiçado dentro do imaginário religioso e popular ocidental.

O nome "Fariseus", em português, vem do grego "Farisaioi" que por sua vez é derivado do nome hebraico "Perushim". Este nome hebraico vem da raiz "parash" que basicamente quer dizer "separar, afastar, explicar, esclarecer". Assim, o nome "Perushim" é normalmente interpretado como "aqueles que se separaram" do resto da sociedade Israelita comum da época, para levar uma vida cujos aspectos diários seriam consagrados a Deus e marcados pelo estudo assíduo de Sua Palavra. Eles "se separavam" em estilo de vida e práticas religiosas, mas não se isolavam completamente do resto da sociedade, antes deveriam viver no meio dela, dedicando-se à "explicação" e "esclarecimento" da Palavra de Deus ao povo em geral.

Com os dados históricos e arqueológicos que hoje possuímos é praticamente impossível estabelecer as origens dos "Perushim" como grupo religioso. As mais diversas teorias foram propostas, mas todas contém sérias limitações e dificuldades. A hipótese mais provável é a de que os "Perushim" se originaram do antigo grupo religioso judaico chamado "Hassidim" ("os Piedosos"), que apoiaram a revolta dos Macabeus (168-142 a.E.C.) contra Antíoco Epifânio, o rei do império helênico da Síria, que quis implantar totalmente a cultura helênica no seu reino. Como resultado dessa política, ele proibiu a prática da religião judaica na Judéia, região que fazia parte do seu reino. A leitura da Bíblia, o culto no templo, a prática da circuncisão e tudo o que estivesse ligado ao estilo de vida e religião judaicos foram proibidos e considerados como crime. Uma parte da aristocracia da época e do círculos dos sacerdotes apoiaram as intenções de Antíoco, mas o povo em geral, sob a liderança de Yehuda Macabi ("Judas Macabeu") e sua família sacerdotal, se revoltou.

Os judeus conseguiram vencer os exércitos helênicos e estabelecer um reino judaico independente na região entre 142-63 a.E.C., quando então foram dominados pelos romanos. Durante este período de 142-63 a.E.C., a família dos Macabeus se estabeleceu no poder e iniciou uma nova dinastia real e sacerdotal, dominando tanto o poder secular como o religioso. Isto provocou uma série de crises e divisões dentro da sociedade israelita da época, visto que pela suas origens os Macabeus (também conhecidos pelo nome de família como "Asmoneus") não eram da linhagem de Davi, não podendo assim ocupar o trono de Israel, e também não eram da linhagem sacerdotal de Sadoque (1 Rs 1:32-34; 2:26-27, 35,), o que os impossibilitava de tornar-se sumo-sacerdotes.

Grupos reacionários apareceram dentro da sociedade judaica, tentando restabelecer o seu prestígio e poder, ou pelo menos o que eles consideravam como certo segundo a Lei e tradições

judaicas. Assim, foi nesta época que provavelmente apareceram: 1) Os Sadoquim ("Saduceus"), clamando ser os legítimos descendentes de Sadoque e portanto os legítimos detentores do sumo-sacerdócio e da lideranca religiosa em Israel; 2) os Perushim ("Fariseus"), oriundos dos "Hassidim" que, geralmente, desiludidos com a política, voltaram-se para a vida religiosa e estudo da Torá, esperando pela vinda do Messias e do reino de Deus; 3) e os Essênios, oriundos provavelmente também dos "Hassidim" e de um grupo de sacerdotes descontentes com a situação que se afastaram da sociedade judaica em geral e foram viver uma vida de total consagração a Deus na região do deserto a fim de preparar o caminho para a vinda do Messias (interpretação essênica de como cumprir Isaías 40:3: "Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor...").

Os "Perushim" se agrupavam em "havurot", associações religiosas que tinham os seus líderes e suas assembléias, e que tomavam juntos as suas refeições. Segundo Flávio Josefo, historiador judeu do 1º século d.E.C., o número de "Perushim" na época era de pouco mais de 6 mil pessoas (Antigüidades Judaicas 17, 2, 4; § 42). Eles estavam intimamente ligados à liderança das sinagogas, ao seu culto e escolas. Eles também participavam como um grupo importante, ainda que minoritário, do Sinédrio, a suprema corte religiosa e política do Judaísmo da época. Muitos dentre os "Perushim" tinham a profissão de "sofer" ("escriba"), ou seja, a pessoa responsável pela transmissão escrita dos manuscritos bíblicos (naquela época não havia a imprensa e tudo tinha de ser feito à mão) e da interpretação dos mesmos. Duas escolas de interpretação religiosa se desenvolveram no seio dos "Perushim" e se tornaram famosas: a escola de Hillel e a escola de Shamai. Isto ocorreu um pouco antes da época de Yeshua'. A escola de Hillel era considerada mais "liberal" na sua interpretação da Lei, enquanto a de Shamai era mais "estrita".

Numa comparação entre os ensinamentos de Yeshua' e as crenças dos diferentes grupos religiosos judaicos da época, podemos constatar que os "Perushim" eram o grupo que mais próximo estava de Yeshua'. Por exemplo:


  1. Yeshua' e os "Perushim" ensinavam e defendiam a crença da ressurreição dentre os mortos, contrário aos "Sadoquim" ("Saduceus") que não acreditavam nesse conceito (Marcos 12:18-27; Atos 23:8).

  2. Yeshua', semelhante à boa parte dos grupos religiosos da época, incluso os "Perushim", freqüentava o templo de Jerusalém e o considerava como a casa de Deus (Marcos 11:15-19; João 2:13-17; 7:14), e nisto ele se diferenciava dos "Shomronim" ("Samaritanos") e dos "Essênios" que não reconheciam nenhum valor no templo de então em Jerusalém.

  3. Yeshua' e os "Perushim" ensinavam acerca da igualdade de todos os seres humanos e o valor de cada indivíduo diante de Deus, ambos tinham portanto uma perspectiva "universalista" em relação à religião e ao dever de pregar a Palavra de Deus a todos (Mateus 23:15; 28:19-20).

  4. Tanto para os "Perushim" como para Yeshua', a essência da Lei era o amor supremo a Deus, primeiramente, e depois o amor ao próximo como a si mesmo (Lucas 10:25-37).

  5. Yeshua' e seus discípulos freqüentavam assiduamente as sinagogas e participavam regularmente das festas judaicas, ou seja, o próprio local e contexto religioso de primazia dos "Perushim" (Marcos 1:21; Lucas 4:15-30; 22:8-23; João 5:1; etc.).

  6. A vida de oração era um elemento essencial nos ensinos de Yeshua' e dos "Perushim" (Mateus 6:1-15), e o "Pai Nosso", ensinado por Yeshua', está em paralelo direto com os elementos de duas orações recitadas três vezes ao dia pelo judeu religioso desde os dias dos "Perushim" - o Kadish e a Amidá.

A maior e fundamental diferença entre Yeshua' e os "Perushim" era sobre a importância e o lugar concedido às "tradição dos anciãos", ou seja os ensinamentos e interpretações da Bíblia dos mestres e rabinos antigos, também comumente chamada no Judaísmo de Torá sheb'al Pê ("Lei Oral"). Enquanto para os "Perushim" a "Lei Oral" era a chave de interpretação da Torá shebichtav ("Lei Escrita" = Bíblia), para Yeshua' a "Lei Escrita" deveria ser a regra para julgar a "Lei Oral" (Mateus 15:1-20). Assim, Yeshua' era muito próximo e ao mesmo tempo totalmente independente do grupo dos "Perushim", e esta dialética de "proximidade" e "independência" naturalmente causou as mais variadas reações a Yeshua' entre os membros desse grupo religioso. Durante todo os seu ministério muitos "Perushim" o seguiam de perto, intrigados por este novo rabino e pelos seus ensinos. Alguns se posicionaram como seus inimigos, e estavam mesmo entre aqueles que planejaram matá-lo (Mateus 9:34; 12:14, 24; 16:1-12; 22:15; João 7:32; 9:16; 11:47-48, 57); outros lhe eram favoráveis e o defendiam sempre que podiam (Lucas 7:36; 11:37; 13:31; 14:1; João 3:1-2; 7:50-51). No momento de maior crise, quando todos abandonaram a Yeshua' e se escondiam por temor de serem reconhecidos como seus discípulos, foram dois "Perushim", Nicodemos e José de Arimatéia, que tiveram coragem de agir publicamente como seus discípulos e usar de sua influência para tirá-lo da cruz e pô-lo em uma sepultura (João 19:38-42).

Muitos "Perushim", na época, aceitaram a Yeshua' como o Messias e se tornaram membros da comunidade cristã primitiva (Atos 15:5). Foi também um "Parush" ("fariseu"), Paulo, que se tornou o principal pregador e propagador da fé em Yeshua' como o Messias (Atos 9; 23:6; Filipenses 3:5). Paulo, até o final de sua vida sempre viveu e se portou como "Parush", ainda que não impusesse isto às outras pessoas (Atos 23:6; 26:4-23; 28:17-20). Enquanto o grupo dos "Sadoquim" ("Saduceus") se tornou o mais acérrimo inimigo dos cristãos e intentava destruí-los, foi no grupo dos "Perushim" que os cristãos primitivos encontraram vários amigos que os defendiam e se opunham aos intentos dos "Sadoquim" (ver por exemplo: Gamaliel em Atos 5:33-39; e vários escibas do partido dos "Perushim" no Sinédrio que defenderam a Paulo em Atos 23:7-9).

Tradução Presbítero Levy