“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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quarta-feira, 14 de maio de 2008

"Introdução à Fé Ortodoxa - Comentário do Símbolo de Nicéia-Constantinopla"

Creio em um só Deus
Pai Todo Poderoso
Criador do Céu e da Terra
E de todas as coisas visíveis e invisíveis

Nós confessamos que há um princípio imaterial e infinito, fonte e plenitude do ser, e este princípio nós o chamamos Deus. “Eu Sou aquele que É” (Ex. 3,14); “Eu sou o alfa e o ômega, o princípio e o fim; “Eu sou o primeiro e o último” (Ap.1,8 e 17). Fonte e plenitude do ser, Deus é também a fonte e a plenitude de toda perfeição moral, e como toda perfeição conduz ao amor, nestes termos podemos melhor conceber Deus :”Deus é amor” (I Jô. 4,16) “Ninguém jamais viu a Deus; se nos amamos uns aos outros, Deus está em nós” (I Jo. 4,12). Não nos interessa então conceber Deus como uma sorte de homem, ou de super-homem, mas como um princípio espiritual, como o Amor infinito.

Deus criou “o céu e a terra”, quer dizer, o universo inteiro; tudo aquilo que existe. Criar deve ser tomado aqui em um sentido todo espiritual e especial. A matéria, a vida, o espírito são formas do ser; é o ser comunicado, dado por Deus, que é a fonte de todo ser. A criação por Deus não é uma forma de fabricação material, ela é um ato interior de Deus, ela se passa na consciência divina. Nós estamos em Deus, sem, no entanto, confundirmo-nos com Deus : Ele é o ser que se dá, e nós somos o ser que recebe. “Porque nele vivemos, e nos movemos , e existimos” (At. 17,28).

Deus criou por amor. Ele ama e cria por este mesmo ato. Deus fez o homem inteligente e livre para que o homem, por sua vez, possa amar. Todos os fenômenos do universo são uma manifestação da atividade divina.

Não há, neste ponto, contradição entre a ciência e a fé. A fé na criação não está ligada a tal ou tal teoria cosmológica. É à ciência que convém o examinar livremente problemas e questões tais como a idade do nosso planeta, a formação do sistema solar, a gênesis e a evolução das espécies viventes. Quaisquer que sejam os resultados atingidos pela busca científica, esses resultados não podem ir contra a nossa fé. Esta põe-se a afirmar que Deus-Amor é a origem, o sentido e o fim de tudo aquilo que existe.

A atividade criadora de Deus não se exprime ela pelo universo visível e os seres vivos que o completam ? Nós não temos o direito de nos restringirmos assim. De uma parte a tradição hebraica, seguida pela tradição cristã, nos fala de seres imateriais que são os ministros da bondade e do amor divinos : “ os anjos” – de outra parte, estas mesmas tradições objetivam e personificam o poder das trevas e, certos espíritos maus. Como nós o vemos, o símbolo de Nicéia-Constantinopla não precisa nada à este respeito, mas confessa, além das “coisas visíveis”, a existência das “coisas invisíveis”.

Os profetas hebreus, e sobretudo o próprio Cristo, nos ensinam a considerar Deus como um Pai com o qual cada um de nós pode estabelecer uma relação pessoal e viva : “Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus” (Mt.5,48). Estas relações com nosso Deus e nosso Pai receberam sua mais alta expressão na oração que Jesus Cristo nos ensinou : o Pai-Nosso.

Creio em um só Senhor, Jesus Cristo
Filho Único de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos,
Luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro,
Gerado não criado, consubstancial ao Pai,
Por quem todas as coisas foram feitas.

O Pai fez-Se-nos conhecer pelo Seu Filho. Nós somos todos filhos de Deus, mas somente um é “O” Filho de Deus, em um sentido único e excepcional. Este filho, este mediador não foi criado ou adotado. Ele procede do Pai pelo nascimento espiritual. Aquele a quem nós chamamos Filho, é a palavra, o Verbo ou o pensamento eterno do Pai : “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens” (Jo 1,1-4). A palavra de Deus é para nós “o Senhor”, o Mestre, o Guia Supremo , a Luz. “Ali estava a luz verdadeira, que alumia a todo o homem que vem ao mundo. A todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus; aos que crêem no seu nome” (Jo 1, 9 e 12).

A palavra de Deus não é uma abstração, mas uma realidade viva. Ela nos é mostrada sob uma forma humana e real, na pessoa de Jesus de Nazaré, a quem nós chamamos Cristo (“Ungido”) e Messias (“Enviado”). A consciência cristã dos primeiros séculos esforça-se em precisar, na linguagem da metafísica grega de então, as relações do Pai e de Jesus. Tanto que Jesus é a encarnação da palavra de Deus, a expressão e a manifestação do Pai; tanto que n’Ele somente alcançamos o Pai (“Quem me vê a mim vê o Pai”), a Igreja confessa que Jesus, o Filho é “consubstancial ao Pai”; e, proclamando que Ele é, em verdade, homem, ela adora-O como Deus verdadeiro.

Que por nós homens e para a nossa salvação
Desceu dos céus
E encarnou pelo espírito Santo no seio de Maria Virgem
E se fez homem.

“E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a Sua glória como a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 14). É esta união da palavra de Deus com uma natureza humana, na pessoa de Jesus, que nós chamamos o mistério da encarnação. Traduzindo em termos humanos este mistério inefável, que ultrapassa o pensamento teológico e filosófico, porque escapa à investigação histórica, e querendo exprimir a intuição profunda, provada pela consciência cristã, de uma pureza única que rodeia a vinda entre nós do Filho de Deus, a Igreja professa que o nascimento de Cristo faz exceção às condições ordinárias da vida da carne, e Ela formulou a doutrina da “concepção virginal” pela operação do “sopro” divino ou “Espírito Santo”.

A palavra (o Verbo) fez-se carne “para nós e para a nossa salvação”. Em efeito, o plano divino havia sido profundamente alterado. A humanidade, usando de sua liberdade, transviou-se do Deus-Amor para seguir as vias da realidade egoísta. Esta infidelidade primordial, este “pecado original”, havia introduzido no mundo o sofrimento e a morte, tanto físicos como espirituais. Era necessário vencer o mal, reconciliar aquilo que estava separado, salvar o que estava perdido. Era necessário divinizar a natureza humana. Tal era a obra de salvação reservada à palavra feita carne.

E por nós foi crucificado, sob Pôncio Pilatos,
Padeceu e foi sepultado

A obra de salvação realizada por Cristo revestiu-se de diversos aspectos. Jesus, ao curso de sua vida terrestre, suportou a tentação, curou almas e corpos. Pregou o “reino de Deus”, chamou a este reino os sofredores, os pobres, os perseguidos. Os mansos de coração; ensinou que o “reino” consiste na realização deste duplo preceito: “amarás ao senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma. E de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo” (Lc. 10,27). Ele próprio dizia o que profeta algum havia jamais dito: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6). Ao resistir à tentação, ao curar, ao perdoar, ao anunciar a “boa nova”, Cristo já nos salvava. Mas Ele, no entanto, quis realizar e cumprir às supremas exigências de Seu amor por nós : “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a sua vida pelos seus amigos” (Jo 15,13).

Sua morte sobre a cruz nos “libertou”, não em um sentido jurídico ou comercial, como se o Pai reclamasse uma expiação sangrenta do pecado humano, mas porque o ato interior de amor e de oferta (oferecer-se), cuja crucifixão era a expressão visível, a expressão visível, reparava, para além, toda a revolta dos homens contra o Pai e provocaria em nossos corações uma resposta de conversão. A cruz, que Jesus quis para Ele próprio, tornou-se o sinal e a condição necessária de toda vida cristã: “se alguém quer vir após mim, tome a sua cruz e siga-me” (Lc. 9,23).

Ressuscitou ao terceiro dia
Conforme as escrituras

“Depois d’Ele ter padecido, se apresentou vivo, com muitas e infalíveis provas, sendo visto por eles por espaço de quarenta dias, e falando do que respeita ao reino de Deus” (At. 1,3). A convicção dos discípulos de que a pedra do túmulo não havia selado para sempre seu mestre e Sua obra, tornou-se a Fé de toda a Igreja. Pois que esta proclama que não é necessário procurar entre os mortos aquele que está vivo (Lc. 24,5). O fato da Ressurreição não pode ser nem demonstrado, nem negado sobre o plano puramente histórico, e não pode mesmo ser plenamente “realizado” pelo pensamento humano. É um mistério. Mas a realidade deste mistério é atingida pela fé e pela experiência espiritual, tanto individual como coletiva. A certeza e a alegria da ressurreição são o coração da piedade ortodoxa : “Cristo ressuscitou dos mortos; pela morte Ele venceu a morte, aos que estavam no túmulo Cristo deu a vida !” (tropário Pascal)

E subiu aos céus
Onde está sentado à direita de Deus Pai

Os dois símbolos físicos de uma ascensão “ao céu” e de uma seção à direita do Pai significam, de uma parte, que Cristo tomou gloriosamente possessão deste “Reino” que Ele anunciou e onde Ele nos deu a esperança de o franquearmos (o reino é a vida eterna no Deus-Amor). De outra parte, que Ele ocupa no reino, o lugar único que, junto do pai, é reservado ao Filho : “Tu és Meu Filho amado, em Ti me comprazo” (Lc. 3,22).

De novo há-de-vir, cheio de glória
Julgar os vivos e os mortos,
E o Seu reino não terá fim

Os Evangelhos e o Apocalipse descrevem a vinda de Cristo “com poder e grande glória” (Mt. 24,30), “à hora em que não penseis” (Mt. 24,44) – “e os mortos foram julgados segundo as suas obras” (Ap. 20,13). Se certos detalhes destas descrições contêm uma grande parte de simbolismo, isto seria ir contra toda a tradição cristã , ao ver na “segunda vinda” e no julgamento final uma simples imagem. Porém não é necessário representar uma espécie de processo judiciário. O próprio homem se julga e determina a sua escolha segundo, voluntária e cientemente, o afastar-se ou o aproximar-se do Deus –Amor. A vida eterna só faz manifestar a livre escolha de cada homem, inscrita nos seus sentimentos e nos seus atos. Este mundo passará, todas as coisas serão feitas novas; e então o reino será restaurado para sempre.

Creio no Espírito Santo, Senhor e fonte de vida,
Que procede do Pai
E com o Pai e o Filho recebe a mesma adoração e a mesma glória
Foi Ele quem falou pelos profetas

“E eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre; o espírito de Verdade... o Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu Nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito... quando vier o Consolador. Aquele espírito de verdade Ele testificará de mim” (Jo 14, 16,26; 15,27). Este espírito ou “sopro” do Pai, enviado sobre os homens pelo Filho, preencheu os apóstolos e continua a santificar aqueles que vivem na fé e no amor. Nós o chamamos “Senhor”, tal como o Filho, porque Ele também é nosso Mestre e nosso Guia. Ele nos vivifica, pois toda a nossa vida espiritual depende deste “sopro”. Ele é a manifestação visível do Pai em nossas almas, assim como o Filho foi Sua manifestação exterior e visível. Não podemos separar o Pai de Sua palavra e de Seu sopro, não podemos dividir o Deus-Amor e cindir n’Ele o princípio transcendente (o Pai), a revelação objetiva (o Filho), a ação imanente (o Espírito). É por isso que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são “adorados e glorificados” da mesma forma, como sendo uma mesma essência divina em três hipóstases ou sujeitos. Esta formulação teológica provém dos primeiros concílios que, sob o nome de Santíssima Trindade, tentamos exprimir o mistério do Pai que se manifesta a nossos olhos pelo Seu Filho e vive em nossas almas pelo Seu Espírito (Santo).

O Espírito Santo “falou pelos profetas”. Nós entendemos com isto que as Santas Escrituras, os livros do Antigo e do Novo Testamento foram redigidos por homens sob a inspiração divina. Esta inspiração aporta o conteúdo religioso e moral da Sagrada Escritura. Ela não confere aos escritores dos livros sagrados nenhuma infalibilidade em cronologia, história, cosmografia. Matérias em que eles partilham as idéias de seu tempo. A Sagrada Escritura constitui uma preparação pedagógica progressiva à vinda de Cristo e o reino do Espírito. Podemos dizer que uma preparação paralela se operaria nas nações pagãs por certos progressos do pensamento, de sorte que Deus não deixou povo algum desprovido de toda a luz. Temos o direito de aplicar os métodos críticos da história da filosofia, com uma plena liberdade que exige a ciência, a tudo aquilo que na Sagrada Escritura é susceptível de uma verificação de fato, de uma constatação positiva. Mas o conteúdo espiritual das Santas Escrituras não revela nenhuma interpretação particular. Sua interpretação pertence à Igreja, que fala sob a ação do Espírito Santo.

Creio na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica

A palavra igreja significa “assembléia” e “eleição”. Cada comunidade cristã primitiva nomeava-se “assembléia dos eleitos”. A totalidade dos crentes formava a Igreja, no sentido geral, e não mais local e particular desta palavra. Os apóstolos já se preocupavam em organizar mais solidamente as comunidades cristãs. As comunidades da época apostólica apresentavam os mesmos traços gerais que as comunidades cristãs modernas. Cada uma era um grupo de fiéis perseverando na doutrina dos apóstolos, na fração do Pão e oração (At. 2,42), sob a presidência de um intendente (episkopos; “bispo”), rodeado de anciãos (presbyteroi; “presbíteros”) e de servidores (diakonoi; ”diáconos”).

Estas funções subsistem até hoje entre nós. Mas não convém concebermos esta escada de funções ou hierarquia como constituindo uma autoridade exterior, transcendente ao corpo dos fiéis. Não há na Igreja autoridade “exterior” alguma. Um concílio ecumênico reunido todos os bispos é uma expressão da consciência religiosa dos fiéis em um tempo dado, e só se torna uma norma na medida em que esta consciência o aceita.

A infalibilidade é imanente à unanimidade dos fiéis, a revelação da verdade é uma resposta ao nosso amor fraternal. É por isso que a tradição “ortodoxa” – à qual estamos nós ligados – não admite nem as doutrinas romanas sobre a autoridade na Igreja e, em particular sobre o poder do Papa, nem certas concepções protestantes dentre as quais a busca e a descoberta da verdade religiosa seriam algo puramente individual.

Além da oração em privado, a relação pessoal e interior com Deus, existe a oração em comum, a santificação coletiva que se opera ao seio da comunidade. De lá provêm as formas exteriores, os ritos, que não têm, em partes, nada de absoluto, mas são submetidos à uma evolução histórica.

A tradição ortodoxa professa que há uma comunhão entre os santos glorificados e nós próprios; nós não os adoramos, mas podemos nos dirigir a Deus pelas suas orações e nos apoiarmos em sua intercessão. Ao venerarmos a memória de Maria, Mãe do Senhor, àquela dos apóstolos, à dos mártires, e de outros santos, ao honrarmos suas imagens (ícones) e suas relíquias, é a Deus, que manifesto neles, prestamos homenagem. Não é, portanto, uma idolatria.

A vida coletiva da comunidade cristã exprime-se sobretudo pelos “Mistérios”, símbolos materiais eficazes ao meio dos quais nós participamos dos Dons divinos, não de uma maneira mecânica ou mágica, mas na condição que o espírito humano assimile estes dons pela fé e o amor. O mistério central, o próprio mistério da Igreja e de sua unidade é o “mistério da ceia” ou Eucaristia: comendo o pão partido e bebendo o cálice de vinho sobre os quais a Igreja tomou, nós comungamos, de uma maneira não carnal, mas real, ao corpo e ao sangue de Cristo, ao sacrifício da morte e à todos os nossos irmãos e irmãs que são seus membros.

O casamento cristão indissolúvel, pelo qual dois seres formam uma criatura nova em Cristo, é também um mistério exprimindo a unidade da Igreja, um embrião de Igreja.

A Igreja de cristo é Uma e Universal. Ela se estende a todos os homens a todos os tempos, a todos os lugares. Sua fé é aquela recebida desde sempre, por todos e para todos; ela pensa e vive unanimemente: é isto que exprime a palavra “católica”, o que não é monopólio à confissão romana. A igreja é santa, não no sentido em que todos os seus membros sejam efetivamente santos, mas porque a santidade é a vocação de todos e porque a Igreja possui e oferece todos os meios à santificação. A Igreja é apostólica porque ela beneficia-se da tradição dos apóstolos e porque, pelo mistério da imposição das mãos, pelo qual se transmite todo o ofício pastoral, ela remonta até eles. A Igreja compreende homens, que lhe são aparentemente estranhos e hostis. Todo o homem fiel à medida da luz, que a ele foi dada, participa na Graça, à vida do próprio Cristo; mesmo se ele não conheça Cristo, estas almas de uma tão boa vontade, sejam quais forem suas ignomínias ou suas negações, são membros invisíveis da Igreja. Esta transborda toda medida visível. Não devemos, desta forma , conceber a Igreja como uma organização jurídica, sob o único aspecto temporal. A Igreja, na sua profunda realidade é, segundo as palavras de São Paulo, “o Corpo de Cristo” (I Co. 12,27) e segundo o apocalipse, “a Esposa de Cristo”.

Reconheço um só batismo
Para a remissão dos pecados

Todo pecado consiste em violar o sentido divino da vida, que é o amor. Na revelação feita outrora ao povo hebreu, o decálogo (10 mandamentos) indicava quais eram os pecados, enunciando as seguintes prescrições positivas : adorar a Deus somente; não pronunciar Seu nome em vão; observar os dias de santificação; honrar pai e mãe; não matar; não furtar; não cometer adultério; não dar falso testemunho; não cobiçar. O apóstolo João relaciona todo pecado a uma das três “concupiscências” : desejos da carne, desejos de possessão e orgulho (I Jo. 2,16). São três formas de egoísmo, de afirmação do eu, separado de Deus. Todos estes pecados, quer por palavra, quer por pensamento, quer por ação. Violam o preceito de Cristo : amar a Deus de todo seu coração; amar a seu próximo como a si-mesmo (Lc. 10,27) .

O pecador não pode tornar-se novamente justo pelos seus próprios méritos ou pelas suas obras (oração, misericórdia, ascese, etc.), embora as obras sejam um sinal necessário de justificação. Ele é justificado gratuitamente pela participação à vida de Cristo: “...e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gl.2,20). Mas necessário é morrer para o pecado – seja o nosso pecado voluntário e consciente, ou a falta original em que nós somos não culpados, mas solidários – e nascer à vida nova em Cristo. O mistério do batismo é o sinal eficaz deste novo nascimento*: “aquele que não nascer da água e do espírito, não pode entrar no reino de Deus” (Jo.3,5) e “portanto ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” (Mt. 28,19). Isto não quer dizer que a água tenha um poder mágico; mas o batismo de água, ao qual Jesus submeteu-se, Ele próprio, junto de São João Batista era um símbolo de penitência e de purificação. E Jesus quer marcar que não podemos receber o batismo do espírito se não tivermos recebido previamente o batismo de penitência.

O batismo é o sinal exterior necessário de pertencer à Igreja, mas nós o temos dito que também a Igreja tem membros invisíveis, os quais não receberam o batismo da água. Ao conceder Sua graça, Deus não se limita por qualquer condição material. Segundo a antiga tradição da Igreja, o mistério do “dom do Espírito Santo”, renovação da graça do Pentecostes, está ligada ao batismo e se confessa logo em seguida, sob a forma de uma unção, o “mistério do Crisma”. A vida em Cristo recebida pelo batismo pode se perder por pecados ulteriores. O pecador pode então (e à cada vez) se purificar por um novo batismo, não mais de água, mas de espírito, que é o “mistério da penitência”. Este é o mistério do perdão divino concedido ao arrependimento do coração, tal como o evangelho nos oferece tantos exemplos. Segundo a disciplina ortodoxa atual, o mistério da penitência, na sua forma exterior, supõem a confissão de suas faltas diante de um ministro da Igreja, delegado por ele (diante de um ministro e não a um ministro, pois a confissão dirige-se a Cristo, o ministro não passa de uma simples testemunha), a partir da qual a absolvição é concedida em nome de Cristo, pelo ministro.

Outro mistério que desliga os pecados é aquele da “unção dos enfermos”, conforme as palavras do apóstolo Tiago : “Está alguém entre vós doente ? Chame os presbíteros da Igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Tg. 5, 14-15).

Nós confessamos um único batismo, pois só há um batismo e uma remissão dos pecados : o batismo e a remissão instituídos por Cristo.

E espero a ressurreição dos mortos
E a vida do mundo que há-de-vir.

“Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens. Mas agora Cristo ressuscitou dos mortos e foi feito as primícias dos que dormem, porque assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem. Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo..., ora o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte” (I Co. 15,19-22 e 26).

“Então dirá o rei aos que estiverem à sua direita : vinde, benditos de Meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo” (Mt. 25,34).

“Amados, agora somos Filhos de Deus, e ainda não é manifesto o que havemos de ser. Mas sabemos que quando Ele se manifestar, seremos semelhantes a Ele; porque assim como é O veremos” (I Jo. 3,2).

“Então dirá também aos que estiverem à Sua esquerda : apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno” (Mt. 25,41).

“Ficarão de fora os cães e os feiticeiros, e os que se prostituem, e os homicidas, e os idólatras, e qualquer que ama e comete a mentira. E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo” (Ap. 22,15; 20,15).

Nós entre-olhamos, tal como através de um véu, o que poderá ser para aqueles que estão à direita do rei – aqueles que encontraram o reino de Deus – a vida do mundo que há-de-vir. É mais difícil a nós representar a sorte daqueles que morrem pela sua própria escolha, separados de Deus. Como já antes dizemos: não é Deus que os julga, que os condena, a morte, enquanto uma conseqüência lógica, os fixa no estado em que eles próprios escolheram. Mas como Deus pode – Ele permitir que a sua escolha seja ela afastamento de tal maneira ? A consciência religiosa moderna rejeita, cada vez mais, a idéia de uma tortura e de um fogo material destinados aos condenados. Mas a idéia de uma separação eterna de Deus e o sofrimento moral que o acompanha, não parecem eles muito mais aceitáveis ?

É verdade que, de fato, não podemos dizer nada à respeito de ninguém que foi ou será condenado. Mas, em contrapartida, que a possibilidade da condenação subsiste, não seria isto como um limite lógico, neste ponto, para nossa confiança na bondade do Pai, uma prova e um escândalo dolorosos ?

Nós propusemos a este enigma soluções diversas. Falamos de uma aniquilação das almas pecadoras, de uma reparação radical entre o pecado (em algum sentido ontológico) – eternamente condenado – e o pecador salvo a partir de um perdão último. Antes de recorrer à hipóteses ainda sem resultados, é-nos mais prudente manter como advertências solenes as palavras do Evangelho, sem procurar extenuar o sentido ou a interpretar os símbolos. É necessário, por outra parte, admitir que estas palavras escondem um mistério, atualmente inacessível e que só nos será revelado na vida eterna; enfim, é-nos necessário lembrar que se Deus é amor, a solução do mistério só pode ser uma solução de amor e que a misericórdia infinita autoriza esperanças infinitas.

A tradição ortodoxa admite que as orações dos fiéis vivos possam trazer ajuda às almas daqueles que repousam, unidos a Deus, mas não ainda completamente purificados de suas faltas.

“E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então também o mesmo Filho se sujeitará Aquele que todas as coisas lhe sujeitou. Para que Deus seja tudo em todos” (I Co. 15,28).

“Amém! Ora vem, Senhor Jesus” (Ap. 22,20).

Padre Levgillet
Traduzido pela monja Rebeca
Boletim Interparoquia