“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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domingo, 16 de março de 2008

O Primeiro Domingo da Grande Quaresma - Domingo da Ortodoxia

A palavra “Ortodoxia” foi tomada originalmente, com relação a esse domingo, em um sentido bastante restrito. Ela designava, quando essa festa foi instituída, em 842, a derrota do iconoclasmo e a proclamação da legitimidade do culto dos ícones. Mais tarde, o significado da palavra estendeu-se. Passou-se a entender por “Ortodoxia” o conjunto dos dogmas professados pelas igrejas em comunhão com Constantinopla. Um documento oficial, o SYNODIKON, que anatematizava nomeadamente todos os hierarcas, era lido, nesse domingo, nas igrejas. Parece que, no início da quaresma, a cristandade bizantina havia considerado como um dever e uma necessidade o confessar a sua crença.

Em nossos dias manifestamos, talvez, uma preocupação maior, o que antes não era o caso, de expressarmo-nos com mais cuidado acerca daqueles que erram e de separarmos, em seu pensamento, aquilo que é a parte da verdade e o que é erro. Porém, era bom e necessário que a Igreja “Ortodoxa” afirmasse sem ambigüidade sua própria atitude. As preocupações “ecumênicas” que ela partilha hoje em dia com as outras igrejas não poderiam significar um abandono ou uma diminuição de suas crenças fundamentais. Além é necessário eliminar do campo da Ortodoxia as ervas parasitas e não profanar o adjetivo “Ortodoxo” aplicando-o àquilo que poderia ser superstição.

Os textos lidos ou cantados às Vésperas e às Matinas desse domingo insistem sobre a realidade da Encarnação. Com efeito, a vinda de Cristo na carne constitui o fundamento do culto das imagens. O Cristo encarnado é a imagem essencial, o protótipo de todas as imagens. Algumas frases do Triódio exprimem bem o sentido profundo do culto concedido aos ícones.

”Em verdade, a Igreja de Cristo foi revestida do mais belo ornamento com os Santos Ícones de Cristo, nosso Salvador, da Theotokos e de todos os santos glorificados... Ao guardar o ícone de Cristo que nós louvamos e veneramos, não nos arriscamos a perdermo-nos. Pois nossa inclinação diante do Filho encarnado, e não a adoração de Seu ícone, é uma glória para nós”.

Os santos glorificados foram imagens vivas, ainda que imperfeitas, de Deus. Foram reproduções enfraquecidas da verdadeira imagem divina, que é o Cristo. Durante a Liturgia desse domingo, na leitura da Epístola aos Hebreus (Hb. 11, 24-26; 32-40), nós escutamos o inspirado escritor descrever os sofrimentos de Moisés e de David, dos Patriarcas e dos Mártires de Israel, daqueles dos quais o mundo não era digno, que foram flagelados, serrados, decapitados e cuja fé, entretanto, venceu o mundo. Estes foram as imagens inscritas, não sobre a madeira, mas sob a própria carne. Eram já uma prefiguração, já anunciavam o ícone definitivo, a Pessoa do Salvador.

Evangelho do dia não tem relação direta com as imagens ou com a Ortodoxia. Na leitura evangélica (Jo. 1, 43-52), vemos o apóstolo Filipe trazer à Jesus, Natanael que também irá tornar-se um discípulo, Jesus diz a Natanael: “Antes que Filipe te chamasse, te vi eu estando tu debaixo da figueira”, Natanael, assombrado por esta revelação, declara: “Rabi, tu és o Filho de Deus!”. Jesus responde que Natanael veria ainda mais que essa visão: “daqui em diante vereis o céu aberto, e os anjos de Deus descerem e subirem sobre o Filho do homem”.

Essas palavras oferecem um enorme campo à nossa meditação. Nós não sabemos o que fazia ou pensava Natanael sob a figueira. Hora de tentação, ou de perplexidade, ou da graça? Ou simplesmente de repouso? Porém parece que o Senhor não mencionaria esse episódio se o mesmo não houvesse sido um momento decisivo, um ponto crucial na vida de Natanael. Na vida de cada um de nós houve um momento ou momentos onde estivemos “sob a figueira”, momentos críticos, onde Jesus, Ele próprio invisível, nos viu e interveio. Intervenção que foi aceita ou rejeitada? Recordemos esses momentos... Adoremos essas intervenções divinas. Mas não nos detenhamos nelas. Não nos fixemos sobre uma visão passada. “Tu verás ainda melhor”. Estejamos pronto para a graça nova, para a nova visão. Pois a vida do discípulo, se ela é autêntica, vai de revelação em revelação. Nós podemos ver “os céus abertos e os anjos de deus subirem” em direção ao Salvador ou descerem sobre nós. Indicação preciosa desta familiaridade com os anjos que deveria nos ser habitual. O mundo angélico não nos é mais distante nem menos desejável que o mundo dos homens.