“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

O Santo Encontro de Nosso Senhor Jesus Cristo – Hypapante - 02 / 15 fevereiro

São Lucas é o único evangelista que nos mostra José e Maria fiéis às prescrições da Lei e ao cumprimento de seus preceitos. Assim como fizeram circuncidar Jesus ao 6º dia, eles o apresentam ao Templo 40 dias após seu nascimento.

Lei de Moisés
Todo varão primogênito será consagrado ao Senhor (Ex 13, 2)

São Lucas cita as palavras do Êxodo a fim de explicar a viagem de Maria e José. Com efeito, desde que o povo de Israel saíra do Egito, na noite mesmo da partida, o Anjo do Senhor fez abater sobre os egípcios uma terrível punição, a décima praga: a morte de todos os primogênitos desde o filho do Faraó, passando pelo primogênito de cada família e atingindo até os rebanhos. Para escapar ao anjo exterminador, os judeus deveriam sacrificar um cordeiro ou cabra de um ano, um animal para cada família e espalhar seu sangue nos umbrais de suas portas. Quando da passagem do anjo com sua espada mortífera, à vista do sangue sobre os umbrais, os lares hebreus foram poupados.

Nessa mesma noite o povo inteiro deveria consumir o animal sacrificado, cada judeu, de cada família, permanecer pronto, os rins cingidos, sandálias nos pés, bastão na mão, para partir a qualquer instante. Essa foi a primeira Páscoa comemorada depois desse dia em todos os anos, em memória do Êxodo, em memória da libertação do povo judeu, da passagem da servidão à liberdade.

Ao fornecer para Moisés as prescrições em relação à Páscoa, Deus manda que cada varão primogênito nascido entre as crianças de Israel, seja consagrado a Deus, em memória da saída do Egito. A criança consagrada é oferecida diante do altar e remida como primícia, primeiro fruto do seio materno. Essa oferenda é uma ação de graças em memória dos primogênitos judeus que foram poupados na noite do massacre Egípcio.

O Filho primogênito de Maria, Aquele que abriu o seio virginal da sempre Virgem Maria Mãe de Deus, é oferecido segundo as prescrições da Lei, Ele, o autor da Lei. A Igreja se maravilha com esta contradição e sublinha mais uma vez a humilhação do Filho de Deus, sua Kenose. (Do grego Kenosis – esvaziar-se, negar-se.)

O Primogênito do Pai, anterior aos séculos, apareceu como o Varão Primogênito de uma Virgem Imaculada e dirige suas mãos à Adão (Tropário da 3º Ode)

O Cântico de Simeão - Nunc Dimittis
E agora Senhor, deixa o teu servidor, segundo a Tua palavra partir em Paz. Porque os meus olhos viram a salvação, que vem de Ti. Que tu preparaste para ser apresentada a todos os povos, Luz que brilhará sobre todas as nações e glória de teu povo, Israel.

As primeiras palavras do Cântico pronunciado por Simeão, à vista da Criança, são um grito de júbilo ante a sua morte, já próxima. É uma resposta à promessa do Espírito Santo feita ao velho, ele não morreria antes de ter visto o Cristo do Senhor.
Simeão é o último vigia de Israel, ele espreita a aurora, ele vê enfim o apontar do dia e reconhece a luz do “Sol de Justiça”.

Israel agora está pronto para se abrir ao mundo, para fazer o dom da Revelação a todos os povos. De Israel levanta-se a luz que ilumina as nações e que permanece para sempre a glória do povo eleito (v. Epístola aos Romanos, 11). E esse cântico é sempre cantado ao final das vésperas, pois é esse o ofício onde revivemos a longa espera pelo Cristo no Antigo Testamento. Ele inicia-se com o salmo 104, récita da Criação, sendo seguido da leitura de outros salmos e de passagens da Bíblia, revelando a esperança de Israel. Essa esperança conduz ao encontro entre a antiga e a nova Aliança, encontro que é realizado na pessoa do Cristo. Com a luz do entardecer, o declínio do dia, nós contemplamos uma outra luz, luz jubilosa, a mesma que Simeão encontra no Templo.

Ó Luz Jubilosa da Santa Glória do Pai, Celeste Imortal, Santo e Bem-Aventurado Senhor Jesus Cristo. Chegados ao pôr do sol, contemplando a luz vespertina, nós cantamos o Pai e o Filho e o Espírito Santo de Deus. É digno que em todo o tempo, te louvemos com vozes puras, ó Filho de Deus, que dás a vida, todo o Universo te dá glória..

Visão de Deus
Simeão, como Moisés no Sinai, encontra Deus face a face. No entanto, Moisés viu a Deus dentro da nuvem e foi forçado a cobrir o rosto pois a Luz de Deus o cegava. Simeão recebe Deus em seus braços. A proibição de ver Deus no Antigo Testamento não significa que o homem do Novo Testamento seja mais digno ou mais puro que o homem da antiga Aliança, mas ele recebe a purificação pelo próprio Cristo, que tem o poder de tirar toda mancha. É por isso que no dia da Festa do Santo Encontro, encontro de cada um de nós com o Filho de Deus, a Igreja nos faz ler a passagem de Isaías contando sua visão no Templo (Is. 6, 1-12).

Quando Isaías viu o Senhor sentado em trono elevado e contemplou sua glória, quando escutou o cântico três vezes Santo dos Anjos, ele gritou: Ai de mim que vou perecendo, porque sou um homem de lábios impuros e os meus olhos viram o Rei, o Senhor Sabaoth! (Is. 6,5) Um Serafim lhe foi enviado com um carvão ardente tomado do altar, a fim de purificar os lábios do profeta.

Os hinos do dia nos explicam o sentido dessa leitura. A visão de Isaías é confirmada pelo encontro de Simeão no Templo e sua purificação pelo Cristo.

O Cristo apareceu outrora ao divino Isaías, como um carvão ardente preso por uma pinça. Agora Ele é dado ao ancião pelas mãos da Mãe de Deus. (Apósticas – tom 2)

Profecia de Simeão
Após seu cântico luminoso, Simeão profetiza, ele resume em apenas uma frase todo o drama do encontro entre o Cristo e seu povo, todo o drama que vai ser desenrolar a propósito do reconhecimento do Messias, Jesus é na verdade a Luz esperada e a glória de Israel, e no entanto, Ele será a dificuldade imprevista e a queda de uma parte de Israel (João 3, 19). Essa contradição causará a dolorosa divisão e terminará na Cruz.

Maria recebe sua parte da profecia, pois ela participa dos sofrimentos de seu Filho e permanece até o fim a seu lado (João 19, 25-27). Simeão prevê que sua alma será transpassada pelo gládio da Cruz.

Simeão viu a queda provocada por Jesus Cristo para uma parte do povo, cego diante do Messias. Mas ele menciona também o elevamento de um grande número de pessoas, esse elevamento é a ressurreição daqueles que inspiram o acordar dentre os mortos após a noite dos tempos. Simeão vai morrer e no entanto ele sabe que seu papel de profeta não se realiza nesta terra. Ele deve levar a “Boa Nova” da ressurreição, agora próxima, aos prisioneiros do Hades. Ele irá profetizar junto aos habitantes do inferno, vai anunciar a Encarnação do Filho de Deus a todos aqueles que esperam esse dia, após Adão, Moisés, Davi, os profetas e “toda alma justa que houver partido na fé”.

Juntar-me-ei a Adão preso nos infernos e anunciarei a Eva a Boa Nova, dizia Simeão cantando como os profetas: Tu és Bendito Deus de nossos Pais. (Tropário – 7ª Ode)

Cordeiro de Deus
Detenhamo-nos um pouco sobre o texto do Levítico a propósito da oferenda. Está escrito que uma mulher dever ser purificada após o parto. Ela traz à entrada do Templo, para sua purificação um cordeiro de um ano, vítima do holocausto. Se ela não tiver posses suficientes para o cordeiro, tomará dois pombos.

Maria, ainda que Virgem em sua maternidade submeteu-se, como seu Filho, à Lei e vem ao Templo para ser purificada. José traz os pássaros do rito da purificação. A primeira indicação que somos tentados a tirar do texto é sobre o meio social da família de Jesus. Mas o Levítico nos traz um outro sentido o que será confirmado pelo ícone. A ausência do cordeiro não é casual, não é só por falta de recursos que a vítima não é representada. Maria tem as mãos cobertas por um linho, de acordo com o rito da oferenda. Ela oferece a criança e a remete ao sumo sacerdote que a recebe abaixo do altar do sacrifício. Jesus é a vítima sem mancha, puro e inocente, Ele é o “Cordeiro de Deus” trazido em sacrifício.

Como Abel foi imolado no lugar de seu cordeiro, como Isaac foi oferecido em sacrifício por seu pai (e depois substituído por uma ovelha), como o servidor de Isaías deixou-se conduzir ao matadouro, ovelha dócil e sem defesa, da mesma forma Jesus é trazido hoje ao Templo e o padre o recebe sobre o altar, visão profética de sua imolação sobre a Cruz.

O Templo, lugar de encontro entre o Cristo e seu povo, toma sua dimensão eterna diante do Criador, não é mais o edifício frágil e efêmero que será destruído um dia, mas o Templo Celeste “não feito por mão de homem” (Hb. 9, 11). O altar sobre o qual o Senhor é oferecido é o trono de Deus, aquele da Jerusalém Celeste: e olhei, e eis que estava no meio do trono e dos quatro animais viventes e entre os anciãos um cordeiro, como havendo sido morto ... (Apocalipse 5, 6)

Jesus é trazido ao Templo como vítima sem mancha, mas Ele é também o padre sacrificador, Ele é ao mesmo tempo holocausto e sacerdote, pois oferece-se a si próprio pela vida do mundo.
Boletim InterParoquial, Fevereiro de 1989