“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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domingo, 24 de fevereiro de 2008

O Retorno ao Pai - Domingo do Filho Pródigo


Esse Domingo continua a desenvolver o tema do arrependimento e do perdão, já tratado no Domingo do Fariseu e do Publicano. Mas a Epístola (1Co. 6: 12-20) abre um parêntese e aborda um assunto especial: o da contenção corporal. Isso se explica pelo fato que, oito dias depois desse domingo, nós entraremos no período do jejum; e, já agora, a Igreja nos faz ouvir uma advertência de São Paulo concernente a esse assunto. O Apóstolo diz aos Coríntios que todas as coisas são lícitas, mas não convenientes. Não nos devemos deixar que sejamos dominados por nada, mesmo pelo que é lícito. Os alimentos são para o ventre; o ventre é para os alimentos. Mas nem o ventre nem os alimentos têm importância para a via espiritual, pois Deus aniquilará os alimentos e o ventre. Alargando o seu tema, o Apóstolo fala agora da impureza. Se os alimentos são para o ventre, nosso corpo não é para a fornicação. Nosso corpo é para o Senhor: o Senhor é para nosso corpo. Aqui nos é apresentado um argumento bem característico de Paulo, o qual julga tudo “em termos de Cristo”. Poder-se-ia ouvir que o Apóstolo condena a impureza colocando-se no plano moral, aquele da lei, dos vícios e das virtudes. Mas Paulo vê as coisas de um outro ângulo. “Não sabeis vós que os vossos corpos são membros de Cristo?” Então “Fugi da prostituição”. O jejum alimentar não é nem a única e nem a mais alta forma de jejum. A pureza sexual, a do coração e do pensamento, assim como a do próprio corpo é, segundo a condição de cada um, exigido de nós pelo Senhor de uma maneira imperativa.

Vejamos agora a idéia central desse Domingo. Ela está exposta no Evangelho que nos é lido durante a Liturgia: é a paráboça do filho pródigo. Entre as parábolas evangélicas, essa do filho pródigo (Lc. 15, 11-31) é talvez a mais conhecida, a mais familiar. Ela é, seguramente, uma das mais tocantes. Pode ser que não reconheçamos onde está o centro dessa paráboça. Esse centro está na mudança de espírito do jovem que deixou o pai, dissipou seus bens numa vida de dissolução, passou fome, invejou as bolotas que os porcos comiam, e decidiu partir e retornar à casa do pai. Certas as palavras do jovem: “ Levantar-me-ei e irei ter com meu pai e dir-lhe-ei: pai, pequei contra o céu e perante ti, já não sou digno de ser chamado teu filho”. Essas palavras contêm uma impressão profundamente comovente de arrependimento. A resolução do filho pródigo: “Levantar-me-ei e irei ter com meu pai....” enfatiza a importância do ato enérgico, o ato da vontade (não podemos ir ter com o Pai se não nos levantamos e partimos). A pessoa central da parábola é o Pai. Com Ele estamos na presença de uma bondade que espera, que vigia, que espreita o retorno do filho pródigo e que, vendo-o ainda longe, não se segura mais, e corre para Seu filho, lança-se ao seu pescoço e beija-o. E o Pai, sem dirigir nenhuma condenação ao filho, ordena que lhe ponham no dedo o anel (símbolo de herdeiro), nós pés, alparcas (símbolo do homem livre, diferente do escravo) e que matem o bezerro cevado para festejar. Faz trazer o “melhor vestido” e reveste o filho; chamemos a atenção que não se trata do melhor vestido que o filho possuia antes de sua partida, mais o melhor vestido que existia na casa. Deus não dá ao pecador arrependido simplesmente a graça que ele tinha antes de pecar. Ele concede a maior graça que o pecador arrependido possa receber, um máximo de graça.

A história do filho pródigo é a nossa própria história. A partida voluntária, a vida culposa, a depressão, o arrependimento e o perdão: nós já vivemos tudo isso e quantas vezes! Estejamos atentos ao papel que desempenha um terceiro personagem: o irmão mais velho do filho pródigo. Na parábola, esse personagem se mostra invejoso de seu irmão. Ele se irrita com o perdão dado generosamente. Ele se recusa, apesar das instâncias do Pai, a tomar parte nos festejos. É o contrário do que se passa no verdadeiro retorno do pecador. Todo filho pródigo que retorna é incitado ao regresso pelo filho primogênito, a quem o pai diz: “filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas”, pois o verdadeiro e único primogênito é o Senhor Jesus Cristo, que toma o pecador pela mão e o conduz ao Pai com ardente afeição.

As Vésperas e Matinas desse domingo contém passagens que comentam eloqüentemente os ensinamentos da parábola. Eis alguns:

“Tendo dilapidado os dons paternais, eu, o infeliz, pastei com as bestas mudas e, tendo fome, desejei seus alimentos.... Eis porque retornarei à casa de meu Pai, chorando e lhe dizendo: recebe-me como a um de Teus servos, eu que me ajoelho diante do Teu amor pelos homens... Ó Salvador condescendente, tem piedade de mim, purifica-me... e concede-me de novo o melhor vestido de Teu reino”.


Nosso objetivo, irmãos, é compreender o poder desse mistério. Pois quando o filho pródigo afasta-se do pecado e retorna o refúgio paterno, seu pai bondoso o abraça e devolve-lhe todas as insígnias de glória.