“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

“A vida do céu na Terra”

O mais importante desafio do homem cristão — é a consolidação da vida divina na Terra. “Sede pois perfeitos como também vosso Pai é perfeito” (Mateus 5:48). O cristianismo é um dever do ser humano. O cristão conquista o bem perdido, para o qual ele foi criado e combate aquilo que destrói o seu bem estar.


Como se processa dentro do ser humano a renovação da vida divina na Terra? Cristo veio como homem, para abençoar a Terra e para que o ser humano visse e se conscientizasse da vida divina e a vivenciasse pelo feito humano de Cristo — Sua vida na Terra, o sofrimento na cruz e a morte. Por isso crucificar-se junto a ele, romper com o homem antigo e vestir-se com o novo — é o caminho da recuperação da vida divina, que se dá através do esforço da luta com o pecado: “...O Reino dos Céus adquire-se à força e são os violentos que o arrebatam” (Mateus 11:12).


Entregando-se às tentações e pecados, o ser humano vive sob a ação do demônio e está pronto para submeter-se a ele, ao invés de benção receber uma pseudo “felicidade.” O demônio disse a Cristo: “Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares” (Mateus 4:9). A luta com o mal é uma cruz para o ser humano, mas através da cruz é que se inicia o poder de Deus em seu coração, a vida divina. A vida divina não é deste mundo, ela é o Reino dos Céus na Terra. E ao mesmo tempo esta vida é a mais verdadeira e a mais real — em sua mais elevada revelação, na relação com Deus. Relação com Deus!.. Aparentemente um desafio muito elevado e como ele é possível nos limites da nossa vida de pecado e atribulações? Porém a relação com Deus é possível aqui na Terra. Nos homens santos nós percebemos a recuperação da ordem perdida na vida: a harmonia e a volta ao estado original, o qual nos conduz à relação com Deus. Relacionar-se com Deus é uma benção verdadeira, que cada ser humano pode conseguir.


Este caminho é através da crucificação junto de Cristo. Não é possível conquistar a benção, evitando o caminho de Cristo. Somente andando atrás de Cristo o ser humano adquire o seu bem. Cristo veio à Terra, para salvar cada ser humano pecador “colocar a ovelha perdida sobre os Seus ombros” e trazê-la para Deus, reunindo-a novamente com a vida divina. A vida divina não é um ideal teórico, mas uma exigência prática. Deus não pode recusar-se do evidente amor ao ser humano, desejando-lhe o bem. Cristo ergue cada pecador, mostrando-lhe, que ele é feito à imagem de Deus. Ele volta-se para o ser humano e a suas possibilidades, para que, se aperfeiçoando, possa viver para o bem. O pecado obscureceu a imagem de Deus dentro de nós, nós não conhecemos a nós próprios e não enxergamos nos outros a imagem de Deus. Cristo veio para recuperar a imagem de Deus no ser humano. Lutando contra o pecado, nós na nossa imagem tiramos o pó e o suor do pecado e assim a imagem clareia, revelando a imagem de Deus em nós — e que é a verdadeira imagem do ser humano. O símbolo de Deus na nossa era — renovação dos ícones — é o símbolo e o chamado de Deus para nos afastarmos do ser humano antigo e a criação do novo. Este pode ser, o chamado de Deus à humanidade em suas última horas.


O nosso estado em pecado é anormal e estraga a harmonia da vida. O necessário equilíbrio entre alma, espírito e corpo, vem através da superposição da alma sobre o corpo, e depois através do espírito sobre a alma, o que devolve ao ser humano a harmonia original na sua criação. Então o ser humano ressurge em sua realeza e torna-se rei de sua natureza. Nós percebemos que para as pessoas, que cumprem a vontade de Deus, como São Serge Radonejsky, São Serafim Sarovsky, a eles, obedecem animais selvagens e a natureza. E nisso não há nada de espantoso, pois o ser humano retorna ao seu destino neste mundo. Existindo apenas na vida física-material, nós somente de vez em quando percebemos a presença do Espírito Santo :"O vento sopra onde quer, e tu ouves o seu ruído, mas não sabes donde ele vem, nem para onde vai...” (João 3:8).


Tradicionalmente os efeitos do Espírito Santo não se manifestam em nós, pois estamos algemados pelo pecado. À medida que o ser humano liberta-se do pecado, então o Espírito Santo começa a manifestar-se nele. Nós observamos, como os santos ultrapassam o espaço e realizam milagres. Num milagre não existe nada de estranho, ele é uma manifestação de Deus através da força de Seu poder. Para um coração despreparado os milagres não são aceitos e as pessoas procuram as mais variadas explicações, não enxergando as ações de Deus. Os milagres eram negados até mesmo na época da vida de Cristo na Terra, como por exemplo no milagre do cego de nascença. Milagres originados a partir de pessoas santas, não abalam leis da natureza, mas pelo contrário as renovam.


O que é então a vida espiritual, ou celestial e como se adaptar a ela? Não é possível compreender a vida espiritual, não se aproximando dela. Ela é o oposto da vida corporal e de pecados. “Mas o homem físico não percebe aquelas coisas que são do Espírito de Deus” (1Corintios 2:14). Eles falam diversas línguas: um dentro de uma igreja recebe alegria, outro está deprimido. O coração em pecado não escuta os sons divinos que vem do céu. Exatamente como são incompreensíveis os sons musicais sem uma adequada educação musical, exatamente assim são impossíveis de serem alcançados as evoluções espirituais, às pessoas entupidas pelo pecado e que não lutam com ele. Somente em resultado do processo de luta com o pecado, nós começamos a entender a vida espiritual. O semelhante reconhece o semelhante e Deus é reconhecido pela santidade. O que nos aproxima de Deus é o fato que nós somos descendentes Dele. E somos descendentes pelos efeitos refletidos em nós pelo Espírito Santo. A escada para relacionar-se com Deus é a santidade. O estado da santidade não deve ser encarado como absolutamente sem pecados, mas como afirmação no ser humano dos frutos do Espírito Santo, por exemplo pela paz no coração. O estado de santidade afirma-se em nós na luta contra o pecado e com a vitória sobre uns e outros estados de pecado do corpo e da alma. Esta luta é de dificuldades e unida à cruz e a esforços, mas leva a santidade. O objetivo final é a união com Deus, mas o caminho até Ele é a santidade. Deus abre-se a nós em resultado de nossa vontade e esforço. “Porque Deus é o que opera em nós o querer e o executar, segundo o seu beneplácito” (Filipenses2:13). Ele dá a nós a Sua graça, ilumina aos bons e maus, pois é o Deus do amor.


Como reconhecer a vida espiritual? Ela torna-se conhecida pelos seus frutos. A fonte da vida espiritual é o Espírito Santo. Os frutos do Espírito Santo surgem de acordo com a vontade, do ser humano, orientada para a luta com o pecado, com a benção de Deus. Os frutos do Espírito Santo, de acordo com o apóstolo Paulo são : “a caridade, o gozo, a paz, a paciência, a benignidade, a bondade, a longanimidade, a mansidão, a fidelidade, a modéstia, a continência, a castidade” (Gálatas 5:22). Os feitos do corpo são tais que é melhor não falarmos neles: pelas palavras do apóstolo, são “o adultério, a fornicação, a impureza, as inimizades e outras coisas semelhantes”... (Gálatas5:19). No mundo, os frutos do Espírito Santo nós observamos nos homens santos. O próprio Cristo — encarnado como o Deus-palavra — veio ao mesmo ambiente que o nosso, para que nós não nos atemorizássemos com o brilho de Deus e através do ser humano possamos assimilar o que vem de Deus. A permanência de Deus na Terra foi um descobrimento para as pessoas de vida ligada a Deus em condições terrenas. Na Terra, Cristo entreabriu sua Glória, como isso aconteceu na Transfiguração do Senhor no monte Tabor. “Sobre o monte transfigurou-se, e eu encontrava-se entre seus alunos, Sua Graça, Cristo Deus eu vi.” Quando dentro do ser humano age o Espírito Santo, nele estabelece-se a paz, a humildade, a alegria pelo Espírito Santo, acontece o clareamento do homem pecador, ou a sua transfiguração. Com o reinado do Senhor inicia-se o Reino de Deus em nós e o coração torna-se o abrigo das ações do Espírito Santo. E isso pode ser possível para cada um de nós. Assimilarmos o Espírito Santo — é o mais importante desafio de nossa vida.


A ação do Espírito Santo nos traz o estado da paz, o que é a verdadeira vida. Essa paz conquista-se através de uma luta diária, vencendo-se o pecado, familiar ao ser humano material. O material é o óbvio, o da natureza. Tudo de bom em nós é um presente de Deus. O cristão deve utilizar isto para construir dentro de si sua vida espiritual. O desafio do cristão — é vencer dentro de si o mal e multiplicar o bem. Essa aproximação ao Deus-Pai, como o retorno do filho pródigo, o qual após sofrer muitas humilhações, finalmente, decide-se voltar ao seu pai. Ele levanta-se e retorna ao pai, e o pai sai ao seu encontro. Acontece uma recíproca ação entre o ser humano e Deus. Para o esforço e força de vontade o Senhor responde com a sua graça e esse processo chama-se salvação da alma. Derrubando os muros que represam nosso pecado, nós com a ajuda da graça de Deus, mudamos para o estado da santidade, pois em nós reflete-se a imagem de Deus. Esses momentos de vitória sobre o pecado e que são resultado da ação do Espírito Santo, são a vida santificada.


Existe a opinião que os bons atos cristãos — são apenas feitos externos, como por exemplo as mais variadas situações de caridade. Muitos dos feitos cristãos são bons atos internos. E diferentes momentos de atos bons, constroem-se resultados bons que são como degraus de escadas que nos levam para o céu. Degraus que nos aproximam de Deus, indicados por Cristo no Seu sermão na montanha nos mandamentos do bem, e para os que os praticam, a sua percepção ainda aqui na Terra: “Bem aventurados os puros de coração, os humildes, os mansos...” Ver a Deus — a plenitude da graça — somente será possível na vida futura, mas por enquanto, conforme Deus estará iluminando-nos por dentro, iremos refletir a Glória de Deus. Fazendo o bem nós somos companheiros de Deus em Seus trabalhos. Fazer o bem — é a vida eterna. Nós colheremos os frutos do Espírito Santo se não fraquejarmos. “Não nos cansemos, pois, de fazer o bem, porque a seu tempo colheremos, não desfalecendo” (Gálatas 6:9).


Conservando o Espírito Santo abrem-se a nós os portões da eternidade, a morada no Céu na vida futura e aqui na Terra, o estado da Santidade: a paz e alegria pelo Espírito Santo. O Reino de Deus começa aqui na Terra, em nosso coração, preenchendo-o com santos sentimentos, os quais transfiguram nossa vida. Ao ser humano é estabelecido o desafio de refletir a Glória de Deus, a Luz de Cristo. Transfigurando-nos e relacionando-nos com Deus, nós refletimos os raios de Deus e com isso participamos na Glória de Deus. Dos homens santos fulguram os raios da Luz de Cristo. Os Raios do Céu, caído na Terra, tendo atravessado o ser humano e brilhando dentro dele com a graça de Deus, iluminam-se novamente e dirigem-se novamente ao Céu. A idéia definitiva do mundo — é a Glória de Deus e para cada ser humano é a salvação da alma, retornando o ser humano à sua imagem original. Amém.

Arcebispo Sergio Korolev de Praga (1881-1952)
Traduzido por Boris Petrovich Poluhoff
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