“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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terça-feira, 11 de dezembro de 2007

"Sem Kosovo, a Sérvia não existe"


Pristina, 11 dez 2007 - "Sem o Kosovo, a Sérvia não existe", garante o bispo Artemije, responsável pela diocese kosovar de Raska-Prizren da Igreja Ortodoxa Sérvia e uma das vozes sérvias mais influentes do território.

Em entrevista a jornalistas portugueses no mosteiro de Gracanica, onde reside, num enclave sérvio a meia dúzia de quilômetros de Pristina, o bispo afirma a sua completa oposição à independência do Kosovo, que deverá ser brevemente proclamada pelos kosovares albaneses. O Kosovo "é o berço da Sérvia" e deve manter-se como parte integrante da "pátria sérvia".

"A Sérvia não pode ficar parada se lhe tirarem 15% do seu território", nota o bispo, defendendo a tomada de posições por parte de Belgrado no caso da proclamação da independência pelos albaneses, como "a mobilização, o fechamento de fronteiras e outras medidas".

Para Artemije, "a Sérvia deve demonstrar que se importa que o Kosovo fique na Sérvia e, no caso de secessão violenta, deve atuar como qualquer outro Estado democrático atuaria".

O religioso procura realçar as suas palavras, dizendo que "não se trata de uma declaração de guerra" e que "não deseja a guerra". Contudo, "a Sérvia deve defender-se em caso de perigo", adverte.

Segundo o bispo, desde 1999, data da intervenção da Otan para pôr fim à guerra no Kosovo, pouco mudou nas condições de vida dos kosovares sérvios. "Continuamos sem direitos humanos, sem direito de associação, sem liberdade, sem educação", afirma. "Em 1999, havia dez mortos sérvios por dia às mãos dos albaneses e agora há menos, mas ainda há", acrescenta o bispo, denunciando ainda a destruição das condições de vida e da herança cultural sérvia no Kosovo. "Dezenas de milhares de casas de sérvios foram destruídas, bem como mais de 150 igrejas e mosteiros, toda uma herança cultural dos séculos XIII e XIV", assegura.

O bispo é também resolutamente crítico da intervenção internacional. "A resolução da ONU (que instituiu a administração internacional do território, em 1999) visava possibilitar a criação de condições de paz e segurança, mas essas condições só foram criadas para os albaneses, e não para os outros", afirma.

O religioso nota ainda que cerca de 250.000 sérvios foram forçados a fugir do Kosovo e que, apesar de a resolução 1244 da ONU afirmar que todos os refugiados têm direito a regressar, "nem 2% dos sérvios regressou". "Esses 250.000 sérvios foram forçados a fugir pelos albaneses, que fizeram ainda mais de 13.000 seqüestros e mil mortes", aponta o bispo, notando que, ainda hoje, há mais sérvios a sair do território do que a regressar. "Trata-se de crimes não punidos cometidos pelos albaneses. Nem um perpetrador foi identificado", garante.

Quanto à atuação da Kfor, a força da Otan que garante a segurança no Kosovo, Artemije diz também "não ter bases para confiar" nela. "Os crimes e o sofrimento aconteceram na presença da Kfor, que não garantiu a segurança", afirmou, exemplificando com os acontecimentos de março de 2004, em que questões aparentemente menores levaram a que multidões albanesas se voltassem contra os seus vizinhos sérvios.

O bispo elogia contudo as autoridades de Belgrado, considerando que o atual governo sérvio "tem um grande nível de preocupação, tentando proteger e manter o Kosovo na Sérvia".

Artemije manifesta ainda a esperança de que a independência não se verifique, adiantando que, a concretizar-se, "serão violadores, assassinos e terroristas que estarão a ser recompensados pela comunidade internacional com a independência".

Como solução para a crise kosovar, Artemije vê apenas "as várias propostas para uma solução mutuamente aceitável apresentadas pela equipe negociadora sérvia" nas negociações com a parte albanesa, mediadas pela troika internacional (UE, EUA e Rússia), sucessivamente rejeitadas por Pristina.

As conversações não permitiram qualquer acordo entre as duas partes, com Belgrado, com o apoio da Rússia, a aceitar apenas conceder uma autonomia alargada ao território, enquanto os kosovares, suportados pelos Estados Unidos e alguns países europeus, não cedem na sua pretensão de independência.

"A outra parte teve o apoio dos Estados Unidos e de vários países europeus à sua pretensão de independência", podendo assim recusar as propostas sérvias, notou o bispo. Segundo ele, a acontecer a proclamação de independência, manter-se-á "uma situação de crise e poderá verificar-se uma cisão na União Européia e o alargamento da instabilidade aos Bálcãs e à Europa".

As perspectivas de reconciliação, no entender do bispo, só existirão quando as duas partes estiverem empenhadas nela. "Os sérvios já provaram essa vontade, ao permanecerem no Kosovo. Os albaneses, pelo contrário, continuam empenhados numa limpeza étnica", sublinha.
O bispo Artemije mantém contudo ainda algumas esperanças. "Um homem que acredita em Deus, também acredita num futuro melhor", conclui.

Nada, contudo, parece indicar que os kosovares albaneses tenham a intenção de desistir da proclamação da independência, que garantem para breve, mas em acordo com a comunidade internacional, como reafirmou recentemente o primeiro-ministro eleito kosovar Hasim Thaci.

Observadores internacionais em Pristina apontam para os dois primeiros meses do próximo ano como data possível para a declaração de independência do Kosovo. Onde o bispo Artemije garante que vai continuar.