“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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terça-feira, 25 de dezembro de 2007

“Monte Athos – A Montanha Santa"

Chamado pelos cristãos ortodoxos de Montanha Sagrada, este Estado-monástico-teocrático, no norte da Grécia, permanece isolado e distante da vida profana, como bem simbolizam a maioria de seus mosteiros no alto de penhascos sobre o mar Egeu. Os vinte mosteiros que compõem o conjunto, jamais visitados por uma mulher, guardam a arte, a rigidez ascética e a memória de mil anos de cristianismo. O cotidiano dos quase 1500 monges inclui de cinco a oito horas de orações, além de jejum e trabalho dedicados a Deus e à padroeira do Monte Atos, a Virgem Maria.

Não se sabe, exatamente, desde quando a vida monástica está presente no Monte Atos. Sabe-se, entretanto, que já no século VII lá peregrinavam ascetas do oriente e Egito perseguidos pelos árabes. Neste período chega no Monte Atos muitos monges procurando segurança, silêncio e isolamento indispensável para o desenvolvimento espiritual e, por isso intencionavam, viver longe do mundo.

Uma tradição milenar e a imutável hierarquia dos vinte mosteiros, onde vivem 1500 monges, guardam a memória do cristianismo ortodoxo desde o século X da nossa era. Sobre um promontório, com seu ápice no Monte Atos a 2033 metros de altura, os monges vivem imunes às turbulências da vida moderna, as paredes dos mosteiros preservam milhares de ícones, relicários, imagens sagradas e afrescos valiosos da arte da Macedônia e cretense. Ali, nessa república autônoma, monástico-teocrática o tempo não conta. Até o calendário usado no Monte Atos é diferente: está atrasado 13 dias em relação ao civil, é utilizado o calendário Juliano, que é o calendário litúrgico de toda a Igreja Ortodoxa. As horas os monges começam a contar a partir do crepúsculo.

Ao norte da Grécia, a província conhecida como Macedônia – terra de Alexandre, o Grande, apresenta uma grande península, a região da Calcídia. Na forma aproximada de um tridente, a Calcídia lança três faixas de terra sobre o Mar Egeu: as penínsulas de Cassandra, Longos e Athos, que é a mais oriental delas, medindo cerca de 60 quilômetros de comprimento por oito a doze de largura.

Com o litoral recortado por baías e enseadas, o local já foi conhecido como Pequena Grécia. Os gregos chamam o Monte Atos de Agion Oros, que significa Monte Santo. O politeísmo da Grécia antiga narra-nos lendas sobre os primórdios da península. Uma delas afirma que uma briga feroz entre o deus das profundezas marinhas, Posêidon (Netuno, para os romanos) e o gigante Atos, que teria atirado um imenso rochedo sobre o deus. Errou o alvo e acabou lançando ao mar o Monte Atos. Outra versão diz que Posêidon teria sido o agressor, arrancando um fragmento da península de Palena para golpear o oponente.

A Tradição Cristã nos diz que, após a Ressurreição de Jesus Cristo, a Virgem Maria teria viajado em um barco, acompanhada do apóstolo João, rumo à ilha de Chipre. Lá visitaria Lázaro, que, havia sido ressuscitado algum tempo antes pelo Messias, durante sua estada em Betânia, uma aldeia próxima a Jerusalém. Uma forte tempestade teria surpreendido a Virgem Maria e São João no meio do caminho e eles foram obrigados a procurar refúgio na península de Atos, no local onde hoje se encontra o mosteiro de Iveron. De acordo com a Tradição, a Virgem Maria ficou impressionada com a beleza do lugar e orou para que seu filho lhe concedesse a soberania eterna do Monte Atos. Em resposta ao pedido, ouviu-se uma voz que parecia vir do céu, dizendo: “Que este lugar seja teu prêmio, teu jardim, teu paraíso e um refúgio para todo aquele que deseja a salvação”. Por causa disso, todos os mosteiros construídos na região foram dedicados à Virgem Maria, considerada protetora eterna do lugar.

Do ponto mais alto da península, avistam-se as lendárias costas da Macedônia e da Trácia e ainda o Monte Olimpo, situado a mais de 200 quilômetros de distância e considerado pelos antigos politeístas como a morada dos deuses. Mas é o cristianismo ortodoxo que governa o Monte Atos desde o século X.

A proximidade com Bizâncio, posteriormente chamada de Constantinopla depois da transferência da capital do império por Constantino, atual Istambul, na época uma cidade forte e próspera, favorecia a proteção e ao isolamento. De 330 quando da transferência da capital até 1453, Constantinopla, cidade fundada pelos gregos à margem do estreito de Bósforo, foi a capital do Império Romano do Oriente, também chamado Império Bizantino.

O Monte Atos foi o principal local de concentração de eremitas e anacoretas de toda a Grécia, moravam sozinhos ou em pequenas casas comunitárias para dois ou no máximo três monges. Praticavam ascetismo rigoroso – jejum e oração incessante. A exposição ao tempo frio e quente aliada à oração, dava a eles forças para resistir às paixões carnais. Viviam em total tranqüilidade no seio da natureza com o mínimo de necessidades e o mínimo de contato com o mundo exterior. Por estes motivos obtiveram respeito da população da península Calcídica e posteriormente de toda Grécia e hoje de todo o mundo. O período entre os séculos X e XII é considerado a “Era de Ouro” do Monte Atos, quando sua fama cruzou as fronteiras da península e atraiu monges ortodoxos da Sérvia, Rússia, Bulgária, Romênia e Geórgia. Durante este período o Monte Atos chegou a ter 120 mosteiros e mais de 20.000 monges.

O Santo Monte Atos constitui uma parte independente do país grego atuando sob orientação espiritual do Patriarcado de Constantinopla. A capital deste estado teocrático-monástico é a vila de Karyes que é a sede do governo civil e onde situa-se a residência do Protos (Primaz), que está diretamente ligado ao Ministério das Relações Exteriores. A Autoridade Legislativa está nas mãos da Santa Synaxeis, uma assembléia constituída de 20 membros, que se reúne duas vezes anualmente em Karyes. A Santa Comunidade é um corpo administrativo constituído de 20 membros com mandato anual sob a liderança do representante da Grande Lavra. Decisões judiciais são tomadas por várias autoridades: crimes e delitos leves são levados aos tribunais em Tessalônica; disputas entre diferentes mosteiros (dependendo da natureza) são resolvidos, ou pela Santa Comunidade ou pelo Santo Sínodo do Patriarcado de Constantinopla; enquanto problemas menores são julgados nos respectivos mosteiros. O corpo executivo dos comitês acima é a Santa Epistasia, que é composta de 4 membros representantes de quatro grupos de mosteiros do Monte Atos, nomeada a cada ano pela Santa Comunidade. Os 20 mosteiros existentes no Monte Atos são distintos pela denominação: real, aqueles que foram fundados por autorização de um decreto imperial e apoiados pelo Imperador bizantino; patriarcal e stavropegial, os que estão diretamente subordinados ao Patriarca de Constantinopla.

Atualmente vivem no Monte Santo em torno de 1500 monges ortodoxos de diversas nacionalidades em 20 mosteiros, em numerosas “kellia”, “kalyvae”, “skit” e eremitérios. “Kellion” é uma ampla sede de um só prédio com capela e contendo uma pequena área de terra para cultivo, acessível através do mosteiro destinada a grupos de três monges, que normalmente ocupam-se com agricultura, as “kellia” estão subordinadas a um dos 20 mosteiros principais. “Kalyva” é menor que uma “kellion” contendo uma capela, mas sem terra para cultivo associada, uma pequena mensalidade é paga por cada monge da “kalyva” ao mosteiro principal a que está ligada a “kalyva”. “Skit” são comunidades organizadas constituídas de várias “kalyvae”, normalmente são antigos mosteiros, localizados no terreno de um mosteiro principal; os monges que vivem em “skit” normalmente ocupam-se com artesanato e escultura. Eremitérios ou hesicastérios são normalmente grutas ou pequenas cabanas para aqueles que querem viver a vida ascética em inviolável solidão; os eremitérios encontram-se, principalmente em lugares isolados tais como na parte sudoeste da península.

Igúmeno Lukas