“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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segunda-feira, 29 de outubro de 2007

"A Manipulação da Pessoa Humana"

Nos últimos meses a mídia tem focado quase que exclusivamente sobre a contínua ameaça do terrorismo em casa, no Afeganistão e em qualquer lugar. Como resultado, nossa atenção tem sido desviada daquilo que é potencialmente uma ameaça mais perigosa para nosso bem-estar: a virtualmente desinibida manipulação e destruição dos embriões humanos ao interesse de uma “nova eugenia”.

A pesquisa sobre as células embrionárias tronco começou seriamente nos inícios de 1999. Isto veio à tona pela capacidade das células-tronco desenvolverem-se em todos os tecidos e órgãos no corpo humano. De igual interesse são as crescentes pressões para patentear genes humanos, segmentos de DNA que carregam o código da vida humana. Não nos surpreende que o quê empurre em direção a estas iniciativas seja de ordem econômica: elas prometem ganhos virtualmente ilimitados para a florescente indústria biotécnica que provê a maioria dos fundos de pesquisa. Apesar da presente ênfase ser sobre o potencial médico – ultimamente estão construindo novos órgãos para substituir os velhos, e eliminando várias anomalias genéticas – o mercado continua ainda pressionando os especialistas em criar “modelos de bebês” com características pré-selecionadas, inclusive, através da magia da clonagem, uma outra constituição genética da pessoa. Como fica a Igreja Ortodoxa sobre este assunto, que envolve manipulação da vida humana no seu nível mais básico? Apesar de nem as Escrituras nem os ensinamentos patrísticos falarem sobre a matéria diretamente, juntos eles oferecem uma visão que é endereçada a ela muito claramente. Esta visão oferece preciosa compreensão sobre o sentido e o valor da pessoa humana.

A antropologia ortodoxa – a doutrina da pessoa humana – começa com a afirmação do Gênesis que todo ser humano é criado “à imagem e semelhança de Deus”. Não obstante o termo “imagem” deva ser definido, ele implica no que os teólogos hoje chamam “estar em comunhão”. A pessoa humana não é um ente isolado, mas um membro de uma comunidade. E a comunidade primária e primordial é aquela da Igreja, o Corpo do Ressuscitado e Glorificado Senhor, Jesus Cristo.

O supremo modelo para a comunidade eclesial é o próprio Deus: a vida-em-comunhão eterna do Pai, Filho e Espírito Santo. “Sede perfeitos”, Jesus instrui seus seguidores, “como vosso Pai celeste é perfeito”. Esta perfeição, como Deus a expressa, consiste acima de tudo em amor de auto-sacrifício, oferecido como um livre presente ao outro: para as outras Pessoas da Santíssima Trindade, e para o mundo criado, particularmente para as pessoas humanas.

A fim de refletirmos sobre a perfeição da Trindade, nós não podemos evitar de nos engajar num avanço na luta contra as tendências de nosso lado escuro, que a tradição ascética chama de “paixões”. Em acordo, muitos dos Padres da Igreja fazem distinção entre “imagem” e “semelhança”, definindo “semelhança” como a meta do combate ascético, o “combate invisível” da alma. Como todo ser humano é criado na divina “imagem”, então todos são chamados a assumir a divina “semelhança”. A imagem, em outras palavras, se refere à nossa natureza, a “dádiva” da vida humana que nós todos dividimos. A semelhança, por outro lado, constitui a meta em direção à qual cada “pessoa” ou cada ser humano em particular é chamado a esforçar-se por atingir. A meta é descrita pelos Padres como “theosis”, uma palavra grega significando “deificação”.

Isto significa que o propósito e o fim da vida humana é participar eternamente na vida de Deus, em Suas “energias” ou atributos tais como justiça, verdade, beleza e amor.

A Ortodoxia é bem conhecida pela sua “elevada cristologia”, sua convicção que Jesus de Nazaré é nada menos que o Deus-Homem, o eterno Filho do Pai que “sem mudança tornou-se homem e foi crucificado” a fim de realizar a nossa salvação. Igualmente “elevada”, entretanto, é a antropologia Ortodoxa: sua compreensão do valor eterno da pessoa humana. Por mais que isto possa realçar a realidade do pecado humano, a Cristandade Ortodoxa também reconhece que o principal alvo da existência humana – em direção ao qual toda pessoa é chamada a esforçar-se e a lutar – é glorificar Deus e entrar na eterna e jubilosa comunhão com as Pessoas da Santíssima Trindade.

Em que isto implica em relação à nossa questão original a respeito da manipulação e exploração do material genético humano e embrião humano?

Acima de tudo, quer dizer que nenhuma manipulação da pessoa humana, no nível macro ou micro, pode ser aceita sem que esta manipulação seja para propósitos estritamente terapêuticos que servirão aos melhores benefícios da pessoa interessada. Isto necessariamente exclui experiências usando viáveis embriões humanos (que, aos olhos de Deus são completamente pessoas, portadores da imagem divina, e não meramente “pedaços de tecido”), como também exclui o patenteamento do gene humano para fins comerciais.

Alguns físicos já têm se queixado que certos testes diagnósticos recentemente desenvolvidos envolvendo genes (por exemplo, para o mal de Alzheimer) não estão disponíveis para eles porque as patentes dos procedimentos são mantidas sob controle das corporações privadas. Na América nós costumamos nos chocar com o modo como as companhias Japonesas virtualmente “possuem” seus empregados. O risco hoje é infinitamente maior: que os interesses comerciais irão literalmente nos “possuir”, à medida que eles controlem o uso de nosso DNA.

Em 1998, o Santo Sínodo da Igreja Ortodoxa da América (OCA) chamou para uma moratória nos principais experimentos em direção à clonagem de seres humanos. Este apelo foi renovado no outono de 2001, com o manifesto dos bispos condenando as pesquisas com células tronco embrionárias e clonagem humana em geral. Com a conclusão, no início do último ano, do projeto de genoma humano, aquele apelo necessita se expandir para cobrir toda e qualquer manipulação de material genético humano para propósitos comerciais que não incluam claros e aceitáveis resultados terapêuticos. E a legislação precisa definitivamente legalizar a proibição do patenteamento dos genes humanos.

Esta recente aquisição de conhecimento sobre genética, com seu extraordinário potencial para o bem ou para o mal, precisa ser mantida no domínio público. Os Cristãos Ortodoxos precisam insistir neste ponto através da mídia e por qualquer outro meio à sua disposição. Caso contrário nós enfrentaremos um verdadeiro risco real de sucumbir a uma nova e insidiosa forma de escravidão, na qual nossa herança genética é literalmente pertencente por interesses – comercial ou governamental – a outros que não nós mesmos. Similarmente, nós devemos deixar clara nossa inequívoca oposição à manipulação e destruição de embriões humanos, particularmente desde células tronco adultas, junto com aqueles colhidos dos cordões umbilicais, que provaram ter tão grande potencial terapêutico quanto suas duplicatas embrionárias. A pessoa humana, criada à imagem de Deus e chamada a progredir em direção à divina semelhança, é única e de infinito valor. Qualquer tentativa de reduzir a pessoa a um reservatório de componentes genéticos ou reproduzir aquela pessoa através de clonagem, é uma ofensa não somente contra os direitos humanos e a dignidade humana. É acima de tudo uma ofensa contra o Deus que cria e ama cada pessoa, e chama cada um sem exceção a compartilhar para sempre de Sua vida divina.

Revmo. Padre John Breck
“Boletim Interparoquial” agosto 2004