(S. Bulgakov)
“Meu gozo permaneça em vós e o vosso gozo seja completo”(Jo. 15,2)
“Vinde... comunguemos da divina alegria... com o Reino de Cristo”
(Cânon de Páscoa, 8ª ode, 1º tropário)
“Vinde... comunguemos da divina alegria... com o Reino de Cristo”
(Cânon de Páscoa, 8ª ode, 1º tropário)
Quando, durante a noite Pascal, depois de ter feito a volta à Igreja, a procissão para diante das portas fechadas, nós conhecemos um instante de silêncio, inapreensível, uma dúvida: “Quem irá rolar a pedra de diante do túmulo” (Mc. 1, 3). estará ele vazio, se o Cristo ressuscitou? Mas quando as portas abrem-se ao sinal da cruz e nós entramos na Igreja resplandecente, ao canto do hino da alegria, nosso coração transborda de alegria, pois Cristo ressuscitou. Nós “vemos a ressurreição de Cristo”. Com os sentidos purificados”, nós vemos “O Cristo resplandecente e nós nos aproximamos dele “como do Esposo, saído do túmulo”.
Então, nós não temos mais consciência do lugar onde nos encontramos, nós saímos de nós mesmos, o tempo é suspenso. Nós entramos no sabat, “o repouso sabático do povo de Deus” (Hb. 4, 9-10). As cores da terra apagam-se diante da luz branca da Páscoa e a alma não vê senão o “brilho inacessível da Ressurreição”: “hoje tudo está repleto de luz, a terra, os Céus e o inferno”.
Nessa noite pascal foi dado ao homem conhecer, por antecipação, a vida do século a vir; foi-lhe permitido entrar no Reino da Glória, o Reino de Deus. A linguagem de nosso mundo não possui palavras para expressar a revelação da noite pascal, pois ela é o mistério do século futuro, cuja “linguagem é o silêncio”.
A alegria perfeita que essa noite nos dá, de acordo com a promessa do Senhor, é o Espírito Santo. Ele nos revela o Cristo ressuscitado pela vontade do Pai. Ele constitui a alegria essencial no seio da Santa Trindade, a alegria do Pai pelo Filho e do Filho pelo Pai. E é, em nós, a alegria da Ressurreição. Por Ele, nós vemos o Cristo ressuscitado e Ele é em nós a Luz ressurrecional.
A Páscoa não é uma das festas, ela é “a Festa das festas, a solenidade das solenidades”. As doze grandes festas nos levam a conhecer o Reino através das obras de Deus, que se manifestam como acontecimentos dentro do nosso tempo. Ora, a Páscoa não é a lembrança de um entre esses acontecimentos, ela visa a vida a vir. Ela é a manifestação antecipada da Glória que o Cristo pediu ao Pai em Sua oração pontifical, ela é a prefiguração da Jerusalém Celeste que descerá do Céu sobre a terra na consumação dos tempos, de acordo com a visão profética: “Resplandece, resplandece, ó Nova Jerusalém, pois a Glória do Senhor brilhou sobre ti!”. A Páscoa é a vida eterna, que é conhecer Deus e comungar com Ele. Ela é a justiça, a paz e a alegria ao exemplo do Espírito Santo. A primeira palavra do Ressuscitado às mulheres miróforas foi: “Alegrai-vos” (Mt. 28,9) e diz aos apóstolos, quando aparece diante deles: “Paz a vós” (Lc. 11, 36; Jo. 20, 19, 29).
A vida do mundo futuro não é uma simples negação deste mundo, nem seu aniquilamento, ela eterniza tudo aquilo que é digno. Da mesma forma que a eternidade não é o esquecimento nem a supressão do tempo: ela coloca um fim em seu curso mutável. Na ressurreição, a criatura é glorificada pela força divina, porém no seio de sua própria vida, pelo grande feito de sua renúncia. Pois a Ressurreição de Cristo está em virtude de Sua Paixão e de Sua morte voluntária. Pela morte Ele venceu a morte”. A vitória sobre a morte é vivida até o fim pelo esgotamento da morte do Cristo; a própria morte é provada e conhecida em toda a sua extensão, e ela não é mais capaz de O reter (At. 2,29), pois Nele, ela se esgota: “Onde está, ó Morte, o teu aguilhão” (1Co. 15,55); “tragada foi a morte na vitória” (1Co. 15,54).
A Ressurreição não é a criação de uma vida nova, mas a vitória alcançada sobre a morte dentro da própria morte, a Vida eterna que resplandece do Cristo, saído do túmulo. A Ressurreição é o triunfo eterno de sua morte salvífica que coroa Sua Paixão redentora e toda a economia da Encarnação. Ela é crucial pois ela se completa pela Cruz, pela força do enorme ato sacrificial do amor e da obediência. “Nós nos prostramos diante da Tua Cruz, ó Mestre, nós cantamos e comemoramos Tua Santa Ressurreição”. Apagando a morte com Sua vitória, a Cruz torna-se fundamento e a força da alegria ressurrecional. A bem aventurança no Paraíso guarda a memória dos sofrimentos iluminados e superados da mesma forma que a luz é a vitória sobre as “trevas abaixo do abismo” e que o mundo de Deus reveste de ordem e de beleza “terra vazia e disforme”. Tudo sendo mantido, este mundo passa ao mundo ainda por vir, transfigura-se em mundo futuro, como o corpo terrestre do Senhor Jesus transfigurou-se na Ressurreição. Seu corpo guarda as marcas dos cravos, Seu lado está transpassado, em testemunho da identidade com Ele próprio. É nesta unidade da vida deste mundo com a do mundo futuro que se manifesta a força da Ressurreição.
Sua figura é traçada na natureza. Seu selo aparece quando esta renasce na primavera. Após a inércia do inverno, o verde aparece, novas forças saem da terra, carregadas com as seivas da vida. A primavera reveste-se com a roupagem multicolor da Ressurreição, sob os raios vivificantes do Sol. Cada primavera da natureza profetiza a primavera à vir do mundo inteiro. A morte foi vencida pelo calor da vida e a páscoa da natureza precede à Páscoa cristã. Tal como o inverno, cujo áspero caminhar conduz à primavera, os dias da Quaresma e da Semana da Paixão introduzem a vida cristã na Santa Páscoa.
Alguns procuram evitar esse caminho e não passar pela prova da semana dos sofrimentos. Seus sentimentos permanecem latentes, não há em suas almas a vela que permitirá acender a luz pascal. “Ontem, Contigo eu estive enterrado: hoje Contigo eu me levanto, pois ressuscitaste, já que ontem eu fui crucificado Contigo”. Bem aventurado aquele que pode repetir em seu coração as palavras do hino pascal. A alegria coroa a pena, uma grande luz se levanta das trevas e sombreia a morte que foi vencida pela própria morte. O triunfo da Páscoa é o fruto da aflição e da obra do jejum. Após a tristeza invernal, o Esposo chama a alma, sua noiva: “Levanta-te minha amada; formosa minha, e vem!” (Cant. 2,10)
Os raios da luz de Cristo penetram todo o universo. Nela também os defuntos estão vivos para nós. Ela lhes transmite nossa saudação pascal, como um anúncio da Ressurreição, da qual eles também tomam conhecimento por um modo que lhes é próprio. A criatura animada e dotada de razão não é a única a receber a força da ressurreição; pelo corpo de Cristo, o universo inteiro ressuscita na alegria do júbilo pascal. “Que os céus exultem, que a terra rejubile, que o mundo visível e o invisível celebrem!”. O olhar do expectador percebe essa subida da exultação pascal na natureza. O sol brinca com seus raios, o ar, a água, as plantas brilham aos raios da bonança divina. O espírito do homem, em vias de ressuscitar, não poderia encontrar no exterior uma natureza inerte: ela ressuscita com ele e ele a chama à Ressurreição do Cristo.
A Páscoa é uma alegria eucarística. Por sua Ascensão, o Senhor não se separa de nós. Nós permanecemos ligados a Ele, nós tocamos o Cristo manifestado e lhe elevamos o cântico da Ressurreição: “Ó Santa e grande Páscoa! ó Cristo! ó Sabedoria, Força e Verbo de Deus! Concede-nos comungar em verdade contigo na luz sem declínio do Teu Reino!”. A Solenidade Pascal já é esse dia sem noite. A alegria da Páscoa une-se à da Eucaristia. Os fiéis se saciam com o Cristo, o Senhor está perto de nós. Ele nos aparece, como aos Apóstolos, antes da Ascensão. A Páscoa é o mistério sacramental concedido pelo Espírito Santo à Igreja, a fim de permitir que tomemos conhecimento do Senhor ressuscitado: “Tendo visto a Ressurreição do Cristo, prostremo-nos diante do Senhor Jesus!”
No que concerne à Igreja, a Páscoa é a nossa alegria. É por sua força que nós adquirimos nosso ser e nosso estar em Igreja, na vida única de um só Corpo, o do Cristo. O que é habitualmente apenas um chamado e uma promessa nos aparece agora como a suprema realidade. A alegria da Igreja nos permite ver uns aos outros em Deus e nos alegrarmos com o nosso próximo, como convém entre pessoas que se amam. A Páscoa nos preenche com o Espírito Santo, que é a alegria do amor. É o dom que recebem os pneumatóforos, como coroamento de sua obra ascética. A luz da Páscoa brilhou continuamente na alma de São Serafim de Sarov. Ele acolhia seus visitantes com a saudação pascal: “Cristo ressuscitou, minha alegria”.
Em nós também, que estamos sombrios, cabisbaixos, avarentos de nossos sorrisos, nesta noite nosso coração abre-se à exultação do amor, ao nos expressarmos com o beijo e a saudação pascal: “Cristo Ressuscitou!”. As ofensas pessoais, os pensamentos maldosos dissolvem-se nesta luz. É possível, para aquele que ama, não perdoar? O perdão não é a alegria maior? Ele nos assemelha a Deus, que perdoa os erros de Seu filho e coroa no festim nupcial. A Páscoa é o perdão universal na alegria do amor. O amor pascal nos aproxima do amor de Deus, o qual ultrapassa toda compreensão. Não sobra nem a menor zona sombria nessa luz. Seu brilho funde e une todas as coisas. “Dia da Ressurreição! Sejamos iluminados por esse dia e beijem-nos uns aos outros! Pela Ressurreição, perdoemos tudo, mesmo àqueles que nos odeiam!”
A alegria do amor aquece o coração, como o daqueles discípulos que viram e ouviram Aquele que caminhava ao lado deles. E ei-Lo novamente entre nós, invisivelmente manifesto. Amén!
Boletim Interparoquial, maio e 2002