“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”
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quarta-feira, 18 de março de 2009
“O jejum”
Um jejum proporcional às tuas forças favorecerá a vigilância espiritual. Não se pode meditar as coisas de Deus com estômago muito cheio, dizem os mestres espirituais. Para um amigo da boa mesa, os segredos menos misteriosos da Santíssima Trindade, se assim se pode dizer, permanecem escondidos. O Cristo nos deu o exemplo com seu longo jejum; quando venceu o demônio, saía de um jejum de quarenta dias. Gostarias de consegui-lo com menor sacrifício? Depois, só depois, "... os anjos de Deus se aproximaram e puseram-se a servi-lo" (Mt 4:11). Para te servir, eles também esperam.
O jejum refreia a tagarelice, diz São João Clímaco (Escada, Degrau 14:34). Ele te fará misericordioso e disposto a obedecer; destrói os pensamentos maus e elimina a insensibilidade do coração. Quando o estômago está vazio, o coração é humilde. Quem jejua ora com espírito sóbrio, ao passo que o espírito do intemperante é repleto de imaginações e de pensamentos impuros.
O jejum é uma maneira de exprimir o amor e a generosidade; através dele, sacrificam-se os prazeres da terra, para obter as alegrias do céu. Uma parte excessivamente grande de nossos pensamentos é açambarcada pela preocupação com a subsistência e com os prazeres da mesa; gostaríamos de nos libertar dessa preocupação. Assim, o jejum se mostra como uma etapa do caminho da libertação, e um aliado indispensável na luta contra os desejos egoístas. Ao lado da oração, o jejum é um dos mais preciosos dons concedidos aos homens, caro a todos os que fizeram a experiência.
Quando jejuamos, sentimos crescer o nosso reconhecimento para com Deus, que deu ao homem o poder de jejuar. O jejum dá acesso a um mundo de cuja existência mal suspeitas. Todos os pormenores da tua vida, tudo o que se passa em ti e ao teu redor, é visto sob uma nova luz. O tempo que passa será utilizado de um modo novo, rico e fecundo. Durante as vigílias, a modorra e a confusão dos pensamentos dão lugar a uma grande lucidez de espírito; ao invés de nos revoltarmos contra o que nos contraria, nós o aceitamos calmamente, na humildade e na ação de graças; problemas que pareciam graves e complexos, resolvem-se por si mesmos, com a mesma simplicidade do desabrochar da corola de uma flor. A oração, o jejum e as vigílias são a maneira de bater à porta que desejamos ver abrir-se.
Os santos Padres muitas vezes consideraram o jejum uma medida de capacidade: se jejuamos muito, é que amamos muito; e se amamos muito, é que muito nos foi perdoado (cf. Lc 7:47). Aquele que jejua muito receberá muito.
No entanto, os santos Padres recomendam que se jejue com medida: não é preciso impor ao corpo uma fadiga excessiva, pois a própria alma se prejudicaria com isso. Tampouco é preciso começar a jejuar muito de repente; todas as coisas exigem uma adaptação, e cada um deve levar em conta a própria compleição e as próprias ocupações. Evitar alguns tipos de alimentos seria condenável: toda alimentação é um dom de Deus. Contudo, é prudente abster-se dos alimentos que causam moleza ou que só servem para deleitar o gosto: pratos muito condimentados, carnes, álcool, etc... Quanto ao resto, pode-se comer de tudo o que é barato e fácil de encontrar. Para os Padres, jejuar com medida significa, no entanto, fazer uma única refeição por dia, refeição essa suficientemente leve, para evitar a saciedade.