“A Ortodoxia manifesta-se, não dá prova de si”

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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

“A Oração de Jesus - A Oração do coração”


Para o ortodoxo, a oração por excelência é a oração de Jesus (1), “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim pecador” (ou em sua forma curta, Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim”). Desde a época do Novo Testamento o ortodoxo acreditava que o poder de Deus está presente no Nome de Jesus. Quando o Apóstolo Pedro curou o aleijado no pórtico do Templo, foi inquirido pelo Sumo-Sacerdote: “Com que poder ou por meio de que nome fizestes isso? (At 4, 7). São Pedro, pleno do Espírito Santo respondeu: “...seja manifesto a todos vós e a todo o povo de Israel: é em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, aquele a quem vós crucificastes, mas a quem Deus ressuscitou dentre os mortos, é por seu nome e por nenhum outro que este homem se apresenta curado, diante de vós”. (At 4, 10).

O próprio Nosso Senhor, confortando Seus discípulos antes de Sua paixão e morte, disse-lhes que “Em verdade, em verdade vós digo: o que pedirdes ao Pai em meu nome ele vós dará. Até agora, nada pedistes em meu nome: pedi e recebereis para que a vossa alegria seja completa”. (Jo 16, 23-24).

Mais tarde na época imediatamente seguinte ao tempo dos Apóstolos, Santo Inácio de Antioquia (que conhecera São João Evangelista), quando estava sendo levado par a arena em Roma para sofrer o martírio pelos animais selvagens, quando os soldados que o prendiam lhe questionaram por que ele continuava repetindo o nome de Jesus incessantemente, ele respondeu que Ele estava inscrito em seu coração.

Assim, rezando esta oração – em Nome de Jesus Cristo – tem sido uma parte vital da tradição espiritual ortodoxa desde os primeiros tempos e tem sido, especialmente, resguardado pelos monges desde o século IV. No ofício de Tonsura de um monge, quando lhe é dado o rosário, o Abade diz, quando lhe entrega: “Tome, irmão, a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus, para a contínua oração a Jesus; pois você tem que ter sempre o Nome do Senhor Jesus na mente, no coração e nos lábios, sempre dizendo: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim pecador”.

Entretanto, enquanto especialmente praticada e popularizada pelos monges, rezar em Nome de Jesus é exatamente o privilégio de todos os cristãos. Como diz o Livro de Orações: “No trabalho, no descanso, em casa e nas viagens, sozinho ou entre outras pessoas, sempre e em todo lugar repita na sua mente e no seu coração o doce nome do Senhor Jesus, dizendo: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim pecador”. Em nossas vidas atarefadas, como pode um cristão ortodoxo comum praticar a incessante Oração de Jesus?

Em nossos assuntos diários existem muitas coisas que nós fazemos por hábito. No começo do dia, por exemplo, nos lavamos, nos vestimos, tomamos nosso desjejum e etc. Enquanto nós estamos em nosso caminho para o trabalho, normalmente há muito tempo livre. Durante nosso dia de trabalho, seja no serviço doméstico, seja em uma fábrica, loja ou escritório existem muitos momentos ociosos ou de trabalho repetitivo. Mesmo em atividades de recreação como caminhadas, corrida ou o que seja, existem muitas oportunidades de empenho na oração. E qual o melhor momento para fazer o que é bom, clamar incessantemente pelo Nome de Jesus, pode haver momentos melhores que estes? Mesmo as mais monótonas tarefas podem ser transformadas em uma doce e jubilosa experiência!

Mesmo em uma multidão, no trabalho, em um reunião em família, em situações que exijam todo o nosso pensamento e atenção é possível fazer a Oração de Jesus, talvez não por longos períodos de tempo, por contínuos blocos de tempo, mas de tempos em tempos. Como o Arcebispo Paulo, Primaz da Igreja da Finlândia e monge de Valaam afirma: “Se nós conseguirmos o hábito de recitar o Nome de Jesus desta maneira, mesmo por meio minuto sem cessar – e é possível conseguir tal pausa para si mesmo em quase qualquer trabalho – a lembrança da presença de Deus permanecerá como uma correnteza interior em nossa alma”. (The Faith we hold, Arcebispo Paulo).

A oração de Jesus, então, é a oração de incrível versatilidade; é uma oração para iniciantes e igualmente uma oração que leva ao mais profundo dos mistérios da vida contemplativa. Para alguns, chegará o tempo em que a Oração de Jesus “entrará no coração”, por isso, assim, se torna a chamada Oração do Coração. Neste ponto, a Oração de Jesus não é mais recitada por meio de um esforço deliberado, mas é repetida por si mesmo espontaneamente, continuando mesmo quando se fala ou escreve, estará presente nos nossos sonhos e nos acordará pela manhã.

De acordo com Santo Isaac, o Sírio: “quando o Espírito toma seu domicílio no homem ele não cessa de orar, por que o Espírito irá rezar constantemente nele. Então, nem quando ele dorme, nem quando está acordado a vontade de rezar poderá desligá-lo de sua alma; quando ele come ou bebe, quando ele deita e quando ele faz qualquer trabalho, mesmo quando está imerso no sono, o perfume da oração exalará em seu coração espontaneamente” (Tratados Místicos).

Por isso, tanto para os que recitam esta oração sem cessar quanto para os que apenas ocasionalmente a usam, a Oração de Jesus é considerada uma grande fonte de alegria e confiança.

Pouco antes de 1900, apareceu um livro intitulado “O Peregrino Russo” (em inglês “The way of the Pilgrim”), no qual, entre outras coisas, um peregrino anônimo relata sua jornada espiritual na prática da Oração de Jesus. No livro ele nos fala da inefável alegria que, pela graça de Deus, permeia o coração de quem pratica esta oração:

“E é assim que eu sigo agora, e incessantemente repito a oração de Jesus, que é mais preciosa e doce do que qualquer outra coisa no mundo. Às vezes, eu ando 43 ou 44 milhas em um dia, e não sinto por completo que estou andando. Eu fico consciente apenas do fato que eu estou fazendo a minha oração. Quando o frio cortante me perfura, eu começo a orar mais intensamente e rapidamente um calor me envolve por completo. Quando a fome começa a me dominar, eu chamo com mais freqüência o nome de Jesus, e esqueço o desejo por comida. Quando eu caio doente ou sou acometido de reumatismo nas minhas costas e pernas, eu fixo meus pensamentos na Oração, e não percebo a dor. Se alguém me ameaça, eu preciso apenas pensar “Como é doce a Oração de Jesus”, e a injúria e a ira, de igual modo, se vão e eu as esqueço completamente...e eu agradeço a Deus por, agora, compreender aquelas palavras que eu li na Epístola – Orai sem cessar (1 Ts 5, 17). (Extraído de The way of the pilgrim)

Examinando as palavras da Oração de Jesus, nós podemos dizer que ela é a oração perfeita, já que expressa a fé na Encarnação e na Santíssima Trindade. Quando nós dizemos “Senhor, Jesus Cristo, Filho de Deus”, nós afirmamos que o Senhor é tanto homem quanto Deus, uma vez que o nome de Jesus foi dado a Ele por Sua mãe como a um ser humano e as palavras Senhor e Filho de Deus indicam Sua divindade. A noção da Santíssima Trindade é encontrada, também, nesta oração uma vez que nos dirigimos ao Filho de Deus, Deus-Pai está incluído assim como o Espírito Santo, pois, como diz São Paulo, “ninguém pode dizer “Jesus é o Senhor” a não ser no Espírito Santo” (1 Co 12, 3).

A Oração de Jesus é perfeita, também, por que estão presentes nela dois aspectos da oração cristã. Quando nós dizemos “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus” nos voltamos para a glória, a santidade e o amor de Deus. Então, levando em consideração nossa natureza pecadora, nós prostramos em humildade, dizendo “tem piedade de mim pecador”, pois há um contraste entre o Deus Todo-Perfeito e nós, que somos pecadores e imperfeitos.

Ainda, apesar da atitude de penitência, há um sentido de consolação aqui, pois, São Paulo nos diz: “Quem condenará? Cristo Jesus, aquele que morreu, ou melhor, que ressuscitou, aquele que está à direita de Deus e que intercede por nós?” (Rm 8, 34). E no coração desta oração, o nome de Jesus, é a palavra salvífica, pois São Mateus nos diz: “...e tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos seus pecados”. (Mt 1, 21)

(1) N.T. A oração de Jesus tem sua origem em textos dos Evangelhos (Mt 15, 22, da mulher cananéia; Mt 20, 30, dos cegos de Jericó e Lc 18, 13 da oração do publicano), provavelmente, passou a ser adotada pelos monges do desertos do Egito (Nítria e Tebaida) tendo-se tornado conhecida a partir de S. Macário do Egito (300-390) que foi mestre de Evágrio Pôntico. Evoluiu por várias formas até chegar a forma atualmente conhecida.
These truths we hold – The Holy Orthodox Church: Her Life and Teachings
St. Tikhon’s Seminary Press,
South Canaan, Pennsylvania 18459, 1986.
Tradução do Igúmeno Lucas
Mosteiro Ortodoxo de São Nicolau - Conde, Pb

Boletim Interparoquial, julho de 2007